O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, segundo convidado a participar do Amarelas ao Vivo, fórum que reproduz em palco as tradicionais Páginas Amarelas de VEJA — ele foi entrevistado pelo diretor de redação da revista, André Petry —, disse não ver diferenças significativas entre os ataques à sua honra em razão de posições tomadas como magistrado (que, diz, já o acompanham há anos) com a atual onda, que inclui a propagação de notícias falsas a seu respeito.
O tema da entrevista foi “‘Sou um dos alvos preferidos’. Por quê?”. “Eu me acho realmente vítima de fake news e ataques na rede, mas isso há muitos anos já. Eu sempre fui alvo de alguns tipos de ataques. O PT, como você sabe, reclama desses ataques, mas articulava os ataques às pessoas. Se misturavam fatos com uma imagem edulcorada, formando um tipo de imagem na sociedade”, afirmou.
Em janeiro, levantamento exclusivo de VEJA com notícias falsas compartilhadas nas redes sociais mostrou que o ministro é o quarto maior alvo, perdendo apenas, nessa ordem, para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para o presidente Michel Temer (MDB) e o juiz Sergio Moro. Dos nove primeiros colocados, também é Gilmar quem tem a maior taxa de fake news negativas: 96%, sendo os outros 4% neutras.
O ministro disse que já lançou mão de medidas judiciais contra mentiras a seu respeito, mas que não considera essa solução definitiva. “Já tentei aquelas medidas de advertência e de retirada [da publicação]. Resolve, mas às vezes elas voltam de uma outra maneira. Nós, homens públicos, estabelecemos uma espécie de blindagem psicológica”, completa.
Duas delas já foram desmentidas pelo blog Me Engana Que Eu Posto. Ao contrário do que foi (muito) divulgado em aplicativos de mensagem, não é a advogada Samantha Ribeiro Meyer, ex-mulher de Gilmar, quem aparece em um vídeo agredindo um repórter que questiona a conduta da entrevistada.
Na verdade, a história — que surfava onda na nomeação de Samantha para um cargo no conselho da usina Itaipu Binacional – era de Alice Reis, procuradora da Câmara Municipal de Uberlândia (MG), que agrediu o jornalista para defender o aumento salarial que os vereadores da cidade articulavam para aprovar.
Outro caso, um pouco mais antigo, é de março de 2017. O Jornal Brasil, um dos sites especializados nas lorotas, compartilhou a seguinte manchete: “Após cenas obscenas no BBB2017, o ministro Gilmar Mendes determina a retirada do ar”. É claro, como hoje já se sabe, que Gilmar nunca mandou o reality show da TV Globo sair do ar.
Mesmo nunca tendo havido um processo sobre o programa tramitando sob a autoridade do ministro, não foram poucos os que comentaram a decisão acreditando na veracidade da notícia. Mais uma centena de leitores repercutiu a suposta proibição do BBB, sem se atentarem a outro erro crasso da lorota: ao contrário do que estava dito, as imagens supostamente “obscenas” nunca foram ao ar em TV aberta
Abuso de autoridade
O ministro Gilmar Mendes se posicionou sobre outro dos casos que serão abordados no fórum Amarelas ao Vivo. Comentando o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o magistrado defendeu uma mudança na forma como são divulgadas operações policiais.
“Eu fico muito impressionado com a apresentação que se faz de uma decisão judicial em alguns casos. O relato não corresponde ao que depois será julgado. Muita gente é acusada de muita coisa e depois os fatos não correspondem”, criticou. Por isso, ressalta o ministro, defende uma nova lei que regule o abuso de autoridade.
Gilmar também disse que é contra o atual entendimento do STF sobre a prisão em segunda instância, mas que não defende que esta seja proibida. Na sua visão, casos como pedófilos e reincidentes poderiam ter tratamento diferente. “Uma possibilidade [a prisão em segunda instância], mas não um imperativo categórico.”
Amarelas ao Vivo
A segunda edição do fórum Amarelas Ao Vivo ocorreu nesta terça-feira, 24, no Teatro Santander, em São Paulo. Além de Gilmar Mendes, o ministro do STF e presidente do TSE, Luiz Fux, também foi entrevistado no evento, que abordou diferentes aspectos das notícias falsas e do impacto de redes sociais.
Na sequência, Jaime Durán Barba, consultor político e professor da George Washington University, falou com Thaís Oyama, redatora-chefe de VEJA, sobre a estratégia digital na vitoriosa campanha do presidente da Argentina, Mauricio Macri, em 2015.
O colunista Ricardo Noblat conduziu a entrevista em que o CEO e estrategista político Guillaume Liegey falou sobre como o presidente da França, Emmanuel Macron, venceu as fake news em sua campanha, em 2017.
Bia Granja, cofundadora do YOUPIX, conversou com o editor especial Daniel Bergamasco sobre como nascem e se espalham virais na internet brasileira.
O redator-chefe Fábio Altman entrevistou o jornalista Ricardo Boechat sobre a relevância do jornalismo profissional em tempos de profusão de boatos e notícias mentirosas.
O publicitário e fundador do Grupo ABC, Nizan Guanaes, esteve frente a frente com Mauricio Lima, redator-chefe e titular da coluna Radar, em conversa sobre como proteger marcas e negócios diante do poder fulminante das redes sociais e das notícias falsas que veiculam.
A possível contaminação das votações por notícias falsas também foi o tema abordado pela colunista Dora Kramer na conversa com Pablo Ortellado, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo. Com doutorado pela mesma universidade, ele se tornou referência em pesquisas sobre fake news na política brasileira.
A editora Adriana Dias Lopes conversou com o infectologista David Uip sobre as perigosas e cada vez mais frequentes notícias falsas sobre saúde.
Acioli Cancellier de Olivo falou ao colunista Augusto Nunes sobre acusações levianas e o suicídio de seu irmão, o ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo, em 2017.