Suplente de Dino reforça bancada dos parlamentares sem o crivo das urnas
Ana Paula Lobato (PSB), que já vinha atuando no cargo, ganhou um mandato inteiro no Senado, até fevereiro de 2031
Em outubro de 2022, Flávio Dino foi ungido senador pelos eleitores do Maranhão com um apoio acachapante: ex-governador por dois mandatos, com uma gestão bem avaliada, ele obteve 62% dos votos nas urnas. Nem chegara a ser empossado, no entanto, e já tinha tomado outra direção: foi indicado ministro da Justiça e Segurança Pública pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, posto importante que o alçou à condição de um dos rostos mais conhecidos da gestão. Após menos de um ano na função, tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal ao ser aprovado na última quarta-feira, 13, pelo mesmo Senado onde nunca exerceu o mandato outorgado pelo eleitor. Com a sua renúncia, a primeira suplente, Ana Paula Lobato (PSB), que já vinha atuando no cargo, ganhou um mandato inteiro, que vai até fevereiro de 2031.
Aos 39 anos de idade, senadora mais jovem da legislatura, Ana Paula se junta a um time de parlamentares que chegaram ao mandato na Casa Alta do Parlamento brasileiro sem nunca terem se submetido ao crivo direto dos eleitores. Além da substituta de Dino, agora efetivada, o Senado tem mais oito suplentes (mais de 10% do total) no exercício do cargo — a maioria nunca disputou uma eleição ou, se disputou, não conseguiu se eleger nem para cargos de menor envergadura.
É o caso de Ana Paula. Na única vez em que tentou um mandato legislativo, de deputada estadual pelo Maranhão em 2014, obteve 29 votos. A sua única vitória nas urnas veio em 2020, quando virou vice-prefeita da cidade maranhense de Pinheiro, de 83 000 habitantes. A carreira modesta, no entanto, não mostra o peso da aliança política que ela representa. A senadora é casada com o deputado estadual Othelino Neto (PCdoB-MA), que está no seu quarto mandato parlamentar e já foi presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão. Ana Paula virou suplente de Dino na negociação eleitoral para que Othelino apoiasse a aliança em torno de Carlos Brandão (PSB) ao governo do estado — que acabou eleito.
A lógica das articulações políticas, como no caso de Ana Paula, é um dos fatores levados em conta na hora da montagem das chapas para o Senado, que sempre têm dois suplentes. As eleições são majoritárias, diferentemente da votação para a Câmara dos Deputados, que são proporcionais. Não há nenhum critério para a escolha dos suplentes, tanto que há até quem indique parentes de primeiro grau para a função. Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, tem a mãe, Eliane, nessa vaga — ela foi senadora entre 2021 e 2022, quando o filho virou ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro. O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) tem o irmão, Josiel, como primeiro substituto. O mais comum, no entanto, é que os suplentes sejam apoiadores, pessoas importantes do mesmo grupo político ou financiadores de campanha, que recebem a suplência como uma espécie de “prêmio” pela ajuda financeira à chapa.
Os exemplos de articulações políticas que acabam levando pessoas sem experiência eletiva a um dos postos mais relevantes da República — e o mandato político mais longo do país, de oito anos — são abundantes. Um deles é o da professora Ivete da Silveira, que se tornou senadora após o titular, Jorginho Mello, ter sido eleito governador de Santa Catarina. Aos 80 anos de idade, ela ganhou um mandato na Casa até 2027 sem nunca ter tido qualquer experiência eleitoral. Sua única ligação com a política é ter sido casada com o ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira, que morreu em 2015. Outro que nunca teve votos e ganhou sete anos de mandato é o empresário Alexandre Giordano (MDB), companheiro de chapa de Major Olimpio, que morreu em março de 2021 — Giordano nunca disputara uma eleição na vida até ser levado à condição de suplente de Olimpio em razão de ser um dirigente do PSL paulista.
Outros até tentaram a sorte nas urnas, mas não foram muito bem. É o caso de Carlos Portinho (PL-RJ), que era conhecido por ser advogado de clubes como o Flamengo e o Fluminense. Em 2016, ele buscou uma vaga de vereador no Rio de Janeiro, mas obteve 7 104 votos, o que foi insuficiente. Embora inexpressivo nas urnas, Portinho tinha uma participação política ativa, ocupando cargos nas gestões de Luiz Fernando Pezão (governo), Eduardo Paes e Marcelo Crivella (prefeitura). Ajudou a fundar o PSD no estado e, em razão disso, virou suplente do senador Arolde de Oliveira (PSD), que morreu em 2020, abrindo caminho para ele no Senado, onde chegou a líder do PL. “Eu dividi a campanha com o Arolde na rua. Arregacei as mangas e fui buscar voto. Tenho uma trajetória política, tive vida partidária e ocupei cargos no Executivo”, afirma Portinho.
Nenhum desses casos citados é ilegal, mas contribuem para distanciar o eleitor da vida política. “As regras atuais colocam ali pessoas que não são conhecidas do eleitor”, critica o cientista político Pedro Neiva, autor do estudo Os Sem-Voto do Legislativo Brasileiro, publicado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Não é raro, inclusive, que os suplentes não participem da campanha com os titulares. “A democracia tem como princípio a eleição. O eleitor não tem noção de quem é o suplente. Antes, ele nem aparecia na cédula”, afirma Neiva. O advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Joelson Costa Dias defende que a escolha dos suplentes deveria ser avalizada diretamente pelos eleitores. “É uma questão de educação para a cidadania”, diz.
O modelo brasileiro de suplentes adotado atualmente é o mesmo desde 1946. Antes disso, desde a época do Império, o cargo era vitalício — se um parlamentar da Casa morresse no curso do mandato, o substituto precisava ser eleito e só poderia ficar na cadeira pelo tempo que o titular da vaga ficaria. Na Era Vargas, o Parlamento foi dissolvido. Com o fim do Estado Novo, em 1945, a Constituinte do ano seguinte procurou uma forma de agilizar o processo de substituição dos senadores e estabeleceu o modelo usado até hoje.
A existência de suplentes de senador nas maiores democracias do mundo não é uma unanimidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a figura não existe: se um senador não pode terminar o mandato, o governador de seu estado de origem pode indicar um substituto ou fazer uma nova eleição. Na França, o suplente só assume se o titular deixar o cargo para assumir alguma função no governo — nas demais hipóteses, entra o segundo mais votado na eleição. Na Inglaterra parlamentarista, não existem suplentes, pois os senadores, que integram a Câmara dos Lordes, são indicados pela realeza e pela Igreja, e não eleitos.
Peculiar em comparação com outros países, o modelo brasileiro volta e meia é posto em xeque. Há atualmente quatro Propostas de Emenda à Constituição (PECs) no Congresso Nacional sobre o tema, todas com o objetivo de colocar critérios para a escolha dos suplentes. Infelizmente, nenhuma delas está em vias de ser votada. Iniciativas semelhantes já surgiram em outras oportunidades, mas nunca prosperaram. “Essa pauta reaparece quando há um suplente que não agrada”, afirma José Dantas Filho, consultor jurídico da Casa.
Uma das instituições mais antigas da República, o Senado sempre teve inegável importância para a garantia do equilíbrio federativo — cada estado tem o mesmo número de representantes (três) — e da vida democrática do país. Entre as suas funções primordiais estão votar o impeachment de presidentes e a nomeação de altos cargos da República, entre eles os de ministros do STF e de procurador-geral da República — como o de Paulo Gonet, confirmado também na quarta-feira, junto com Flávio Dino. Ajudaria a fortalecer a instituição se todos os membros dessa Casa do Congresso tivessem o respaldo do eleitor, que afinal é o maior personagem de qualquer democracia.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872