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Três anos depois de abalar o país, Joesley Batista renegocia delação

O empresário que fez revelações de corrupção envolvendo três ex-presidentes em corrupção acena para nova rodada de negociações

Por Daniel Pereira, Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h34 - Publicado em 13 mar 2020, 06h00

A nomeação de Augusto Aras como procurador-geral da República em setembro serviu de alento aos empresários Joesley e Wesley Batista, donos do grupo J&F e protagonistas do acordo de delação premiada que abalou o país e enredou três ex-presidentes da República em escândalos de corrupção. Dias após a posse de Aras no cargo, advogados dos irmãos Batista informaram à PGR que eles estavam dispostos a renegociar os termos de sua colaboração. O recado era compreensível. Os dois antecessores imediatos de Aras na Procuradoria, Raquel Dodge e Rodrigo Janot, haviam pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a rescisão da delação dos empresários e de outros dois executivos, todos acusados de omitir fatos criminosos ao negociar com o Ministério Público. A rescisão, se determinada pelo STF em julgamento previsto para junho, resultará na anulação da imunidade concedida aos irmãos Batista e pavimentará o caminho para que voltem à cadeia. É justamente isso que eles tentam evitar com o aceno para uma nova rodada de negociações.

A reação inicial de Aras foi negativa. Em novembro, ele reiterou o pedido de rescisão do acordo. “Ao invés de adentrarem um espaço de conscientização e redenção pela prática de incontáveis delitos ao longo de suas vidas, escolheram fazer mais do mesmo: continuar delinquindo”, alegou o procurador, referindo-se às omissões que teriam sido cometidas pelos delatores. A J&F desde sempre nega a existência de tais omissões. Como o argumento ainda não desanuviou o ambiente, representantes do grupo ponderaram às autoridades que a eventual rescisão do acordo poderia pôr em xeque a validade de provas. Os delatores citaram quase 2  000 agentes públicos em seus depoimentos, incluindo três ex-presidentes, governadores, além de mais de uma centena de deputados e senadores (veja o quadro abaixo). Essa tese é controversa, já que ministros do Supremo afirmam ser clara a possibilidade de rescisão sem prejuízo da validade das provas apresentadas. O fato é que a negativa inicial da PGR foi substituída por um convite à negociação.

No mês passado, a subprocuradora Lindôra Araújo, responsável pelos processos da Lava-Jato no STF, pediu que o caso fosse suspenso até maio para que Ministério Público e os delatores pudessem tentar uma repactuação. Uma solução negociada não será fácil. Tanto na PGR como no STF há vozes contrárias à imunidade e uma pressão para que os colaboradores sejam obrigados a cumprir pena em regime fechado. Há até quem defenda a tese de que os irmãos Batista têm de cumprir no mínimo dois anos de cadeia, como ocorreu com o empreiteiro Marcelo Odebrecht. Procuradores também acham que a repactuação deve resultar em multas adicionais. Em acordo de leniência, a J&F aceitou pagar 11 bilhões de reais. Já Joesley e Wesley, como pessoas físicas, concordaram em desembolsar 110 milhões de reais cada um. A questão financeira, no entanto, é secundária. A dificuldade está principalmente no fato de que os donos da J&F, que já ficaram presos por seis meses em São Paulo, não estão dispostos a aceitar mais uma temporada atrás das grades.

O PGR, Augusto Aras, na sabatina de 2019
REVISÃO – Augusto Aras: mudança de posição para evitar a invalidação das provas (Evaristo Sa/AFP)

Ainda não ocorreram reuniões formais entre a PGR e os delatores, que, quando agendadas, se transformarão na segunda tentativa de rediscutir o acordo. Em 2017, depois de os empresários terem sido acusados de omitir fatos criminosos, Janot propôs a Joesley o cumprimento de quinze anos de prisão — cinco em regime fechado, cinco em semiaberto e cinco em aberto. Na época, interlocutores do empresário disseram que a proposta era “fora de propósito”. As omissões que precisavam ser sanadas incluíam, por exemplo, uma conta bancária no Paraguai não informada às autoridades e o detalhamento de repasse de 500 000 reais em propina ao senador Ciro Nogueira (PP-PI). Já a omissão considerada mais grave se referia à suspeita de que o ex-procurador Marcello Miller ajudara a J&F a fechar os acordos quando ainda trabalhava no próprio Ministério Público. Recentemente, a Justiça Federal arquivou o processo em que Miller era acusado de corrupção por supostamente atuar nos dois lados do balcão.

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Para procuradores que participarão da nova rodada de negociação, o fim da imunidade e a prisão dos irmãos Batista são uma questão de honra. Eles pretendem alegar o seguinte: com uma repactuação consensual, Joesley saberá de antemão quanto tempo de prisão terá de cumprir. Agora, se o Supremo decidir pela rescisão e não houver nenhum tipo de acerto com o Ministério Público, o empresário poderá ser alvo de inúmeros processos por corrupção. Nesse caso, o total das penas aplicadas poderá superar a casa da dezena de anos. Desde que foi confirmada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava-­Jato no Supremo, a delação dos Batista enfrentou uma enxurrada de críticas por prever a imunidade. Políticos acusaram os irmãos de incriminar a tudo e a todos, sem fundamento, só para obter o perdão judicial. O ministro do STF Gilmar Mendes, que chegou a suspeitar da possibilidade de ter sido gravado por Joesley, chamou o dono da J&F de gângster. Há, portanto, poderosos de áreas diferentes a favor de punições adicionais aos delatores, o que pode servir para convencer os empresários a ceder. Procurados por VEJA, a J&F e seus donos não quiseram se manifestar.

Em nota, o advogado André Callegari afirmou que “os colaboradores relataram em 2017 tudo aquilo que era de seu conhecimento. Não há, portanto, nenhum fato novo a ser relatado às autoridades. O que se busca com a conciliação é esclarecer e retificar pontos que, distorcidos em vazamentos, atribuíram à delação relatos que nela não estão, como a imputação de crimes a pessoas que foram apenas mencionadas. Os colaboradores mencionaram, sim, doações eleitorais a partidos, e estes distribuíram a mais de 1.800 candidatos. Mas jamais atribuíram crimes a mais de 1.800 pessoas”.

Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678

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