A entrada de áreas de reserva indígena costumam ser sinalizadas no Brasil com uma placa escrita “Terra Protegida” em letras maiúsculas. Proteção, no entanto, é o que menos se vê por esses locais. Desde o ano passado, o garimpo ilegal tem avançado com força sob as “terras protegidas” e as ações aumentaram agora em meio à pandemia de coronavírus. Com as invasões, as tribos indígenas sofrem uma dupla ameaça – perder território e ser infectada pela Covid-19.
Em março, houve um incremento de 29% nos alertas de desmatamento na Amazônia em comparação ao mesmo mês do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Boa parte da degradação é causada por garimpeiros ilegais, que derrubam a mata fechada e contaminam os rios com mercúrio em busca dos minérios.
Uma megaoperação do Ibama feita no início de abril nas terras indígenas Apyterewa, Trincheira Bacajá e Kaiapó, no interior do Pará, flagrou campos de garimpo em plena atividade. Apesar de serem construídas no meio da floresta, a estruturas não são simples e contam com áreas de acampamentos e de escavação, além de maquinário pesado, cargas de combustível, aeroportos e pontes – tudo erguido às pressas e de forma ilegal. Guardas armados rondam as áreas e vigiam os garimpeiros, que muitas vezes trabalham em condições de extrema vulnerabilidade.
Um vídeo obtido por VEJA (confira abaixo) mostra indígenas observando uma área de garimpo ativa na terra Apyterewa. As imagens foram gravadas no fim de fevereiro, antes da megaoperação das autoridades. A mesma região foi alvo de uma operação da Polícia Federal com o Ibama em outubro do ano passado. Na ocasião, os agentes encontraram pás-carregadeiras, tratores, motores-bomba, mercúrio, pedrinhas de ouro e munição de diversos calibres, avaliados em mais de 2 milhões de reais – os garimpeiros com as armas não foram encontrados porque fugiram para dentro da floresta quando as autoridades chegaram. O tamanho do garimpo era de cerca de 1 milhão de metros quadrados. Nesta quinta-feira, dia 30, a PF prendeu dois homens em outro garimpo ilegal na terra dos Tapajós, também no interior do Pará. Eles portavam cinco armas, telefones do tipo satelital e 21.000 reais em espécie.
Um agente do Ibama, que atua há mais de dez anos na corporação afirmou a VEJA, sob condição de anonimato, que o grande problema do desmatamento na Amazônia é a falta de interesse do Estado em investir na população local, que acaba indo trabalhar em atividades ilegais no meio da mata. “Nós fazemos a nossa parte, mas não é só ação repressiva que vai acabar com o desmatamento na Amazônia”, disse ele. As atividades clandestinas também são incentivadas por políticos locais e os “donos” dos garimpos, que fornecem o maquinário e nem pisam nas florestas.
Outro vídeo que circula em grupos de WhatsApp de garimpeiros e madeireiros mostra um avião decolando no meio da Amazônia. A aeronave quase cai ao levantar voo. Não é incomum a ocorrência de acidentes aéreos na região amazônica e muitas vezes os pilotos acionados são os mesmos que fazem o transporte de drogas na região Norte.
Não é só no Pará que estão acontecendo as invasões. Indígenas da Terra Karipuna, em Rondônia, e da Terra Yanomami, em Roraima, também relatam a chegada de invasores em seus territórios nas últimas semanas. Conforme o Instituto Socioambiental (ISA), que acompanha atividades na Amazônia com imagens por satélite, houve um aumento de 3% de área devastada pelo garimpo, de fevereiro para março, na terra Yanomami. Segundo o ISA, há atualmente 20.000 garimpeiros na reserva, sendo que a tribo tem cerca de 26.000 indígenas.
No dia 22 de abril, em meio à pandemia, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu uma portaria que permite a aquisição de terrenos dentro de áreas indígenas ainda não homologadas. No Brasil, há mais de 250 terras ainda pendentes de homologação, mas que já têm processos de reconhecimento iniciados na Funai. Grupos de proteção aos indígenas viram nisso uma manobra para legalizar a grilagem dentro de reservas indígenas. Nesta quarta-feira, dia 29, o MPF também se manifestou contrário à regra, e recomendou à Funai que derrube a portaria por criar uma situação de insegurança jurídica que aumenta “os riscos de conflitos fundiários e danos socioambientais”. Na ação, a procuradoria frisa que a medida “aumenta sensivelmente a vulnerabilidade dos povos indígenas nesse momento de crise sanitária em razão da pandemia de Covid-19”.