O escritor americano Michael Crichton (1942-2008) costumava dizer que a ideia do livro O Parque dos Dinossauros (1990), depois adaptado para o cinema por Steven Spielberg com a franquia Jurassic Park, estava na sua cabeça desde a infância. Fascinado pela ideia de ver dinossauros vivos, Crichton estabeleceu como meta escrever um romance que fosse divertido e cientificamente preciso. Com os avanços da engenharia genética naquela época, a possibilidade de trazer de volta os animais pré-históricos parecia plausível. Além disso, o autor queria explorar as implicações éticas de reviver espécies extintas. Mais de uma década depois de sua morte, tanto a visão sobre as experiências biotecnológicas quanto as preocupações com o impacto da volta dessas criaturas ao planeta estão se concretizando.
Vários laboratórios de pesquisa genética e empresas do setor investem na aventura de reviver espécies desaparecidas da face da Terra, sejam dinossauros, sejam animais contemporâneos, ou ameaçados, como o rinoceronte-de-sumatra. Uma das mais ousadas iniciativas é a startup americana Colossal Biosciences, que recentemente aumentou seu leque de projetos de “desextinção”. Fundada no fim de 2021 pelo investidor Ben Lamm e pelo geneticista George Church, da Universidade Harvard, a empreitada começou mirando longe no passado, com uma iniciativa que pretende trazer de volta os mamutes lanosos, extintos há 10 000 anos. Em 2022, foi a vez do lobo-da-tasmânia, cujo último exemplar conhecido em cativeiro morreu em 1936. Agora, o objetivo é o emblemático dodô, que deu o último suspiro no fim do século XVII.
Espécie típica das Ilhas Maurício, uma pequena nação insular no Oceano Índico, os dodôs viviam tranquilos no paraíso tropical próximo da costa sudeste da África até o início do século XVI. Depois que eles foram avistados por navegadores portugueses em 1507, a vida dessas aves terrestres, dóceis e sem predadores, mudou radicalmente. Descrito pelo explorador holandês Volkert Evertsz, em 1662, como “um pássaro muito grande e gordo, incapaz de voar, com penas azul-acinzentadas e bico preto”, passou a ser caçado por animais domésticos introduzidos no seu hábitat e se transformou em prato para saciar a fome dos invasores. Em 1681, ele desapareceu, e adeus a uma linhagem da fauna de nosso implacável planeta.
É um caso clássico do espírito humano destrutivo. “O dodo é um excelente exemplo de espécie que se extinguiu porque nós tornamos impossível para ele sobreviver em seu hábitat”, diz Beth Shapiro, paleogeneticista e membro do conselho científico da companhia Colossal, além de professora de biologia evolutiva na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, nos Estados Unidos. Ela estuda a ave desde o início dos anos 2000. Um de seus reputados artigos, publicado na revista Science, revelou que o parente vivo mais próximo era o pombo-de-nicobar. Então, em março do ano passado sua equipe anunciou a reconstrução de todo o genoma do pássaro sumido. Shapiro vai liderar o Avian Genomics Group, criado dentro da Colossal para levar adiante o projeto que já recebeu aporte de 150 milhões de dólares — o dobro do investimento inicial na companhia inteira.
Reconstruir o dodô implica superar barreiras científicas. Ao contrário dos mamíferos, as aves não podem ser clonadas, o que dificulta o processo de fertilização. Resolvido o problema, células específicas de pombos seriam manipuladas para se transformarem em um pássaro semelhante ao dodô. “Esse tipo de mistura gera um animal muito parecido, mas ainda assim diferente do original”, diz o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional do Rio. Há outros obstáculos, como a adaptação aos hábitats contemporâneos, a convivência com outras espécies e doenças. Também na ciência, cautela nunca é demais — o que não exclui dar asas à imaginação.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828