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A casa da fera: a incrível descoberta que remete ao labirinto do Minotauro

Trabalhando na construção de um aeroporto, operários deparam na Ilha de Creta com uma estrutura que se assemelha muito à lenda

Por Sara Salbert
4 ago 2024, 08h00
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  • Com vestígios de ocupação humana que datam de 9 000 anos atrás e traços remanescentes da primeira civilização avançada da Europa, aquela comandada pelo rei Minos, a Ilha de Creta é cenário de vários episódios da mitologia grega. Uma das lendas mais conhecidas tem como personagem uma criatura com corpo de homem e cabeça de touro, o temido Minotauro, aprisionado em um labirinto construído pelo arquiteto Dédalo a mando de Minos. Pode-se imaginar então o frenesi causado por uma descoberta recente no topo de uma montanha em Creta: uma estrutura circular de 4 000 anos que lembra, em tudo e por tudo, o formato de um labirinto gigante.

    Reza a lenda que o Minotauro nasceu de uma relação da mulher do rei Minos, Pasífae, com um touro que lhe fora presenteado por Poseidon. À medida que crescia, a feroz criatura passou a se alimentar de seres humanos, o que levou Minos, filho de Zeus e ele mesmo um semideus, a solicitar a construção de um labirinto para aprisionar a fera e garantir a segurança dos súditos. Lá viveu o Minotauro por longo tempo, em condições de tragédia grega, até ser morto pelo grego Teseu. Nem o labirinto nem muito menos a criatura meio homem, meio touro podem ser transplantados para o mundo real da forma como são descritos na lenda, mas o anúncio das escavações na ilha, como era de se esperar, desencadeou todo tipo de elucubrações nas redes sociais.

    A descoberta da nova estrutura em Creta ocorreu durante a instalação de um sistema de radares para o novo aeroporto internacional da ilha, a maior e mais populosa da Grécia. Escavando o solo, uma equipe deparou com os restos de uma construção composta de oito paredes circulares concêntricas no topo do Monte Papoura, próximo à cidadezinha de Kastelli. Segundo o Ministério da Cultura grego, o edifício de 48 metros de diâmetro, que ocupa uma área de 1 800 metros quadrados, exibe um desenho de alta complexidade, comparável ao lendário labirinto.

    MITO PRESERVADO - Mosaico em vila romana recria a lenda: tragédia grega
    MITO PRESERVADO - Mosaico em vila romana recria a lenda: tragédia grega (Acervo Kunsthistorisches Museum/.)

    O propósito exato da construção ainda está sendo investigado. A grande quantidade de ossos de animais encontrados no local, ocupado provavelmente entre 2000 a.C. e 1700 a.C., leva à suposição de que não se trata de moradia. Ele possivelmente era usado de maneira esporádica, para a realização de rituais religiosos e performances teatrais envolvendo sacrifícios, um símbolo de celebração na cultura minoica. “Outros santuários já foram localizados em cumes de montanhas altas na ilha. Vendo por esse ângulo, é possível, sim, que se trate de uma construção relacionada à religião”, confirma Lilian Laky, pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e doutora em arqueologia grega.

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    A estrutura, que vista de cima lembra uma enorme roda de carro, difere no entanto de todas as demais edificações minoicas já encontradas, principalmente dos palácios, sempre quadrados ou retangulares, de arquitetura avançada para a época. Quanto mais as escavações progridem, mais o edifício recém-descoberto, dividido por grossas paredes em quatro zonas interligadas por pequenas aberturas que podem funcionar como passagens, se assemelha a um gigantesco labirinto. Peter Meineck, professor de estudos clássicos da Universidade de Nova York e especialista em mitologia grega, explica que o formato circular está presente na cultura minoica, mas é bastante raro, pela dificuldade de seu processo de construção. “A estrutura é, sem dúvida, o maior e, provavelmente, o mais significativo espaço circular já encontrado em Creta”, diz. Restos de cerâmica desenterrados no local levam os arqueólogos a acreditar que o espaço foi ocupado durante centenas de anos.

    Como é comum acontecer na Grécia, a descoberta paralisou as obras em andamento. Até o momento, pelo menos outros 35 sítios arqueológicos foram desenterrados na área projetada para o aeroporto e suas conexões rodoviárias, e a ministra da Cultura, Lina Mendoni, assegurou que a proteção de mais esse monumento da Antiguidade é prioridade — tanto que as autoridades aeroportuárias já buscam locais alternativos para a instalação da estação de radar. Por mais expectativas que tenha levantado, a estrutura, se vier a se confirmar como labirinto, não será o do Minotauro. Esse, segundo a lenda, era subterrâneo e ficava perto de Knossos, o majestoso palácio de Minos — a 50 quilômetros de distância.

    Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904

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