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“A descarbonização global é uma meta irrealista”, diz Vaclav Smil

Cientista e autor tcheco-canadense acredita que para salvar o planeta a melhor solução e mais impopular é consumir menos

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 ago 2024, 20h00

Em uma era de rápidas mudanças tecnológicas e desafios ambientais crescentes, compreender o funcionamento do mundo torna-se cada vez mais crucial. Em Como o Mundo Funciona (Intrínseca), o cientista tcheco-canadense Vaclav Smil compartilha suas visões sobre temas urgentes como desenvolvimento global, sustentabilidade e os desafios da descarbonização.

Com uma abordagem pragmática e baseada em fatos, ele oferece perspectivas únicas sobre como podemos navegar pelos complexos desafios do século XXI, desde a produção de alimentos até as dinâmicas da globalização. Em entrevista a VEJA, ele desafia ideias preconcebidas e oferecem um olhar realista sobre o futuro do nosso planeta.

O mundo em que vivemos hoje é melhor ou pior do que, digamos, cem anos atrás? Mesmo pensando na média global, por quase todas as medidas de qualidade de vida (expectativa de vida, dietas, saúde, condições de vida, educação, liberdades pessoais), muito melhor (grifo do entrevistado).

No seu livro, o senhor fala sobre energia e nossa dependência de combustíveis fósseis, dizendo que os prazos para descarbonizar são irreais. Qual é a melhor solução para isso, então? Essa é uma maneira errada de expressar essa ideia. A descarbonização global (nenhum combustível fóssil até 2050) é uma meta irrealista. Enquanto muitos pequenos países ricos podem chegar perto disso até 2050, muitos países populosos de baixa renda precisam aumentar seu uso de energia o mais rápido possível, e isso não pode ser feito evitando combustíveis fósseis nas próximas décadas. Ao mesmo tempo, um progresso constante pode reduzir significativamente as emissões atuais de carbono, e há outras emissões que poderiam ser reduzidas ainda mais rápido. Como você deve saber, interromper o desmatamento em massa de florestas tropicais seria uma das ações mais eficazes e rapidamente recompensadoras.

MANUAL Em 'Como o Mundo Funciona' (Intrínseca), Vaclav Smil organiza informações e dados para dar uma perspectiva realista para o futuro -
MANUAL Em ‘Como o Mundo Funciona’ (Intrínseca), Vaclav Smil organiza informações e dados para dar uma perspectiva realista para o futuro – (Intrínseca/Divulgação)
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O senhor diz que o uso de combustíveis fósseis é algo mais amplo, às vezes extensivo à indústria alimentícia, porque é necessário produzir grandes quantidades de alimentos. Como lidar com isso? Para produzir e distribuir alimentos, precisamos de máquinas, fertilizantes, pesticidas, irrigação, refrigeração, e quase todos esses usos agora dependem de combustíveis fósseis. Eles serão lentamente substituídos por energias renováveis, mas a maneira mais eficaz de reduzir a pegada de carbono da produção de alimentos é cortar o enorme desperdício de alimentos que agora equivale a pelo menos 30-35% dos alimentos colocados no mercado global. Não há uma única maneira de fazer isso, mas há muitas medidas específicas cuja combinação pode reduzir o desperdício em um terço em uma década. Infelizmente, uma das maneiras mais eficazes é aquela que ninguém gosta: pagar mais para desperdiçar menos.

Em Como o Mundo Funciona, a importância de materiais essenciais como amônia, aço, concreto e plásticos contradiz a ideia de economias se desmaterializando devido aos avanços em eletrônicos e serviços. Como podemos conciliar isso com o conceito de desmaterialização? Não há conciliação. Você deve distinguir entre desmaterialização relativa (menos usado por unidade de produto) e desmaterialização absoluta (usando menos no agregado, em escalas nacionais ou globais). Avanços técnicos resultaram em desmaterialização relativa contínua de muitos produtos e processos (pesando menos para entregar a mesma função ou serviço). Mas como há mais desses produtos (TVs, celulares, SUVs, jatos etc.), sua massa global agregada continua aumentando.

Como podemos alcançar um equilíbrio entre os benefícios econômicos da globalização e a necessidade de abordar as questões ambientais, econômicas e sociais? Existem políticas ou abordagens específicas que o senhor possa recomendar? A autossuficiência nacional completa não faz sentido e é difícil de ser alcançada. Nem a Rússia stalinista e nem a China maoista eram totalmente autossuficientes, embora tenham chegado perto e pago por isso com padrões de vida miseráveis. Mas também não é razoável depender muito de importações, por razões que vão da segurança nacional à manutenção dos padrões de vida. Durante os últimos 30 anos, muitos países ricos claramente se tornaram muito dependentes de muitas importações básicas, principalmente da China. Encontrar soluções ideais nunca é fácil, especialmente quando indústrias inteiras foram perdidas para as importações: nos próximos anos, veremos até que ponto o mundo pode reduzir sua dependência de manufaturas chinesas.

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Nosso mundo interconectado pode ser suscetível a falhas em cascata. O que a pandemia da Covid-19 revelou sobre as vulnerabilidades em sistemas interconectados como saúde, transporte e produção de alimentos? Nada de novo, nunca estaremos suficientemente preparados para lidar com tais eventos, sempre cometeremos erros sob incerteza.

Se a descarbonização rápida não for possível, então qual é a melhor maneira de parar de aquecer o planeta? Aquela que muito poucas pessoas escolheriam voluntariamente: consumir menos de tudo!

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