Os asteroides, corpos celestes rochosos e de estrutura metálica que gravitam em torno do sol, costumam ter nomes que homenageiam celebridades científicas — Einstein, Kepler, Curie. Daqui a alguns meses, um deles que continue pagão ganhará o sobrenome de uma jovem brasileira. Será uma deferência à gaúcha Juliana Davoglio Estradioto, que fez jus a essa formidável honraria como prêmio por haver conquistado o primeiro lugar na categoria Ciência dos Materiais na Intel International Science and Engineering Fair (Intel Isef), a maior feira do gênero no mundo para alunos pré-universitários (o trabalho foi desenvolvido quando ela estava no último ano do ensino médio, concluído em 2018). Até hoje a jovem — que já arrebatou mais de cinquenta outras distinções, dentro e fora do Brasil — ainda se emociona ao lembrar do momento em que foi anunciada como vencedora da disputa, em maio passado, numa cerimônia realizada em Phoenix, a capital do Arizona, nos Estados Unidos. Pudera: mais de 1 800 estudantes do ensino médio, de oitenta países, concorreram com ela, a quarta brasileira a ganhar a competição.
Diferentemente do que se poderia imaginar diante da premiação traduzida no direito de batizar um asteroide, o laureado projeto de Juliana não se relaciona com astronomia. Embora o céu seja, sem dúvida, o limite para seu futuro profissional, a jovem nascida em Passo Fundo e criada em Osório, também no Rio Grande do Sul, tem os pés bem fincados na terra quando se trata de pesquisa científica. Ela venceu seus oponentes na Intel por ter produzido, com a utilização da casca de noz-macadâmia, uma membrana biodegradável que pode ser usada em curativos de pele ou em embalagens, substituindo o material sintético. Para tanto, transformou a casca da macadâmia em uma farinha que, cultivada com outros nutrientes, serviu de alimento aos microrganismos que geraram a membrana.
A vocação surgiu aos 15 anos, ao observar desperdícios que ocorriam na agricultura
Ter os pés fincados na terra, no caso de Juliana, não é somente força de expressão. Ela se descobriu cientista aos 15 anos, por meio do contato com a agricultura, atividade preponderante na região em que vive e presente também em sua família — o avô era professor na área e o tio, engenheiro agrícola. Não foi por acaso que sua primeira pesquisa científica buscou sanar um problema identificado no campo. Quando estava no 2º ano do ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Juliana participou de um projeto social com agricultores e notou que um enorme volume de cascas de maracujá era descartado. Ficou intrigada com o desperdício.
O assunto virou sua obsessão. Orientada pela professora Flávia Twardowski, sua principal mentora acadêmica, a jovem começou a estudar a casca de maracujá. Com aquilo que os agricultores consideravam lixo, ela criou uma espécie de plástico biodegradável, que pode substituir o verdadeiro no plantio de mudas. O tempo todo Juliana trabalhou improvisando: usou um laboratório de panificação e, em alguns momentos, o forno de sua casa. O projeto rendeu a ela seu primeiro prêmio na Intel. Para recebê-lo, Juliana viajou pela primeira vez para o exterior.
O próximo passo da jovem é conseguir vaga em uma universidade americana para cursar engenharia química e educação — no momento, submete-se aos processos seletivos. Ela foi aprovada no vestibular de algumas faculdades nacionais, porém prefere estudar nos EUA. Para além de suas pesquisas, Juliana, que ganhou o Prêmio Claudia 2019 na categoria Inovação e Ciência, dedica-se a promover e a divulgar a prática da ciência por mulheres e jovens do ensino básico. Na infância, ela via o trabalho científico como algo “abstrato, feito por velhinhos”. Descobrir que a ciência pode ser usada para resolver problemas do dia a dia e desenvolvida até mesmo por adolescentes mudou sua vida. “As pessoas dizem que os jovens são o futuro, mas eu acho que nós somos o presente”, diz a gaúcha que terá um asteroide com seu sobrenome.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668