Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Aliança da genética com a paleontologia revela novas faces do passado

Descobrir a verdadeira aparência de personagens históricos ficou mais fácil para os cientistas

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h58 - Publicado em 7 abr 2024, 08h00

Em seu clássico livro A Vida dos Doze Césares, o historiador romano Caio Suetônio Tranquilo (69-141) escreve que Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) era descrito como um homem “alto, de pele clara, membros bem torneados, rosto um tanto cheio e olhos negros penetrantes”. Suetônio nasceu mais de um século depois da morte de César, brutalmente assassinado a facadas no Senado de Roma, aos 55 anos de idade. Portanto, o biógrafo não teve contato nem conviveu com o biografado. Suas fontes para montar o retrato falado do personagem foram documentos, desenhos e outras representações artísticas, como as imagens de perfil cunhadas em moedas que circulavam à sua época. Não há, portanto, como garantir que ilustrações, pinturas, estátuas e bustos criados depois com base na descrição fossem muito fiéis à inescapável figura histórica. Se os restos do conquistador tivessem sido preservados — e não cremados, como ocorreu —, possivelmente os traços mais marcantes e mesmo o prontuário médico pudessem ser reconstituídos com alguma proximidade e fidelidade. Mas não.

Celebre-se, portanto, como extraordinário e promissor avanço, o recente trabalho dos geneticistas, de mãos dadas com os paleontologistas. Direto ao ponto: a revelação de porções do DNA de restos humanos têm permitido restabelecer a fisionomia de nomes proeminentes do passado. Recentemente, pesquisadores da Universidade Fudan, em Xangai, reconstruíram o rosto do imperador chinês Wu, que viveu 1 500 anos atrás, usando informação extraída de uma parte do seu crânio. O monarca reinou de 560 a 578, construiu um exército forte e unificou o norte da China antiga depois de derrotar uma dinastia inimiga. “Nosso trabalho deu vida a figuras históricas”, diz Pianpian Wei, coautora de um estudo publicado no fim de março, na revista Current Biology. “Anteriormente, as pessoas dependiam de registros históricos ou afrescos e murais para imaginar como eram os povos antigos.”

QUEM VÊ CARA... - O rosto de Copérnico reconstituído: olhos azuis
QUEM VÊ CARA… - O rosto de Copérnico reconstituído: olhos azuis (Cícero Moraes/.)

A reconstrução da face de Wu foi baseada nos restos do imperador, descobertos em 1996, e nas informações genéticas obtidas do sequenciamento do DNA que permanecia preservado nos fragmentos dos ossos. A investigação permitiu a identificação de mais de 1 milhão de polimorfismos, pequenas variações na sequência genética que conferem as características específicas de cada indivíduo — cor dos olhos, textura do cabelo etc. “Alguns estudiosos diziam que os Xianbei, grupo étnico do qual Wu fazia parte, tinham aparência exótica, como barba espessa, nariz alto e cabelo amarelo”, diz Shaoqing Wen, que também assina a pesquisa. A análise reconstruiu a imagem comum. O imperador tinha características faciais convencionais, típicas do leste ou nordeste asiático, indicando uma possibilidade de movimentação migratória naquela parte do Extremo Oriente.

Em outro comovente passo, o designer brasileiro Cícero Moraes publicou, em março, um estudo independente mostrando como teria sido a aparência de Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo e matemático polonês que desenvolveu a teoria heliocêntrica — ele provou que os planetas do nosso sistema giram em torno do Sol. No trabalho, Moraes e seus parceiros usaram dados públicos envolvendo uma ossada descoberta em 2005, na Catedral de Frombork, na Polônia, e atribuída ao cientista. Em 2009, um teste de DNA atestou a compatibilidade do material extraído de três molares superiores com o fêmur e também comparou-o com dois fios de cabelo encontrados em um calendário que fora propriedade do cientista. O spoiler: Copérnico tinha olhos azuis solares como os de Frank Sinatra.

Continua após a publicidade
MISTÉRIO - A imagem clássica de Shakespeare: ser ou não ser?
MISTÉRIO - A imagem clássica de Shakespeare: ser ou não ser? (Stock Montage/Getty Images)

Embora seja uma ciência, a reconstrução facial forense, como é conhecida tecnicamente, tem lacunas. Por isso, especialistas preferem tratá-la por um nome mais adequado, “aproximação facial”. “Não é uma ferramenta de identificação, mas de reconhecimento”, disse Moraes a VEJA. A diferença é sutil, mas faz todo o sentido. Criar um rosto a partir de um crânio pode ser complicado, porque há aspectos que são incertos, como o tamanho e o formato do nariz. O sequenciamento genético de restos mortais e ossadas não dizem exatamente qual a feição da pessoa, mas indicam com maior probabilidade estatística que poderia ter olhos mais claros ou mais escuros. “O que fazemos é costurar abstrações de uma face que criamos baseados em probabilidades”, afirma Moraes.

Personagens de todas as épocas, é verdade, estão sujeitos a indefinições. Não se sabe exatamente as feições de William Shakespeare (1564-1616), o pai de Hamlet, embora circulem gravuras e pinturas que dizem ser do bardo, como a que ilustra esta página, inspirada no chamado Retrato de Chandos — a única que teria sido feita no tempo em que o artista ainda estava vivo. Há controvérsia envolvendo esta e outras imagens. E provavelmente seguirá um mistério, já que o crânio dele, enterrado em uma igreja de Stratford-­Upon-Avon, provavelmente foi roubado e ninguém jamais obteve permissão para exumar o restante da ossada. Ser ou não ser, eis a questão — que a caça ao DNA pode, um dia, responder.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887

Publicidade

Imagem do bloco
Continua após publicidade

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.