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As descobertas de pesquisadores brasileiros nas tumbas do Egito antigo

Foram encontrados artefatos, restos humanos e outras evidências de histórias ainda não reveladas

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h23 - Publicado em 8 out 2023, 08h00
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  • O derradeiro imperador do Brasil, Pedro II, herdou do pai, Pedro I, a paixão pelo Egito antigo. Movido pelo fascínio hereditário, ele viajou até o norte da África em 1871 e em 1876. Nas duas ocasiões, voltou de lá com várias relíquias arqueológicas da era dos faraós, presentes oferecidos pelo então governante local, o soberano Ismael. Em vez de leiloá-las, iniciou o que viria a ser a maior coleção egípcia da América Latina. Aos olhos da comunidade científica, se tornou o primeiro egiptólogo do país. A múmia de Sha-Amon-­em-su, a “Cantora de Amon”, era uma de suas peças favoritas. Incorporada ao acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, foi atingida pelo fogo que consumiu o Palácio da Quinta da Boa Vista em 2018.

    A mesma curiosidade que levou dom Pedro II a mergulhar na egiptologia serve de alimento para um grupo de cientistas brasileiros que, desde 2015, organiza escavações em Luxor, onde ficava a antiga Tebas. Dignos herdeiros do interesse do monarca em desvendar os mistérios daquela cultura, os pesquisadores vêm realizando descobertas relevantes que podem ajudar a iluminar a história desse período. Reunido em torno do Programa Brasileiro Arqueológico no Egito (Brazilian Archaeological Program in Egypt, Bape), o coletivo de arqueólogos e antropólogos — do qual fazem parte ainda pesquisadores da Universidade Nacional de Córdoba (UNC), da Argentina, e do Centro de Documentação do Ministério de Antiguidades do Egito — fez sua atividade inaugural na Necrópole Tebana em março de 2017.

    LEGADO - Pellini em um sítio de Luxor: sarcófagos foram usados como moradia por populações contemporâneas
    LEGADO - Pellini em um sítio de Luxor: sarcófagos foram usados como moradia por populações contemporâneas (BAPE (Brazilian Archaeological Project in Egypt)/.)

    Coordenado por José Roberto Pellini, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o grupo ficou encarregado da escavação, restauração e conservação da tumba TT123. As revelações foram se acumulando ao longo dos anos, com algumas novidades reservadas para a última visita, que aconteceu entre janeiro e março deste ano. Localizada na margem oeste do Rio Nilo, ela pertenceu ao escriba Amenenhet, uma espécie de contador do faraó Tutmosis III, que viveu por volta de 1 200 a 1 300 a.C. Lá a equipe encontrou, até o momento, trinta restos humanos — o que inclui múmias — e outros objetos. Além disso, foi descoberto outro espaço que pode ser a câmara funerária do nobre.

    O sepulcro de Amenenhet nunca havia sido explorado por nenhum outro arqueólogo. Projetada em formato de T, ela tem espaço suficiente para o nobre e alguns acompanhantes. Foram encontrados materiais ligados ao mundo ritua­lístico egípcio, como fragmentos de sarcófago, ushabtis (estatuetas humanoides que serviriam o morto pela eternidade), vasos canópicos (receptáculos que carregavam órgãos retirados) e pinturas. Há ainda uma série de poços, indicando que o pouso teria sido utilizado em enterros posteriores à morte do contador do faraó. Os pesquisadores estimam que o lugar recebeu novos corpos em ao menos duas oportunidades. A primeira cerca de 400 anos depois de o sacerdote ter sido selado e a outra, aproximadamente 800 anos mais tarde.

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    mapa Egito

    A catacumba também teria sido ocupada por populações contemporâneas, de acordo com os pesquisadores. “Essa ideia de que só existiu o Egito faraônico, depois um grande hiato até chegarmos aos dias de hoje, não corresponde à realidade”, diz Bernardo Brasil, diplomata que acompanha as pesquisas. “A TT123 foi construída há 3 000 anos como lugar de enterro para um nobre, mas, ao longo do tempo, foi reutilizada por grupos humanos que vieram depois.” Ao menos duas famílias teriam dividido o espaço com o contador, uma no fim do século XIX e outra entre os anos 1930 e 1970. “Quase toda arqueologia egípcia é voltada para as elites, e recontar essas histórias recentes é trazer uma outra versão”, diz Pellini.

    Em 2024, o Brasil celebra 100 anos de relações diplomáticas com o Egito. A efeméride servirá como marco para a conclusão das escavações. A missão, no entanto, está longe do fim. A equipe segue buscando financiamento para a restauração do monumento. Além disso, achados recentes mostram que a tumba de Amenenhet está conectada a outras cinco, que devem ser exploradas em breve. Se Pedro II jamais abriu o esquife lacrado de Sha-Amon-em-su, os Indianas Jones contemporâneos, por sua vez, parecem dispostos a não querer fechar as portas em sua busca para desvendar os mistérios de um dos períodos mais fascinantes da história.

    Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862

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