As lições de resiliência e longevidade dos animais para os humanos
Os ensinamentos poderão ajudar a humanidade a prolongar sua expectativa de vida
Quem alimenta a ideia de criar um elixir da longa vida — sonho que acompanha a humanidade desde que ela se entende por gente — precisa mergulhar nos mares gelados do Hemisfério Norte ou escavar o solo da África Oriental. É nesses ambientes que moram dois animais dotados de um feitiço do tempo biológico. Esbanjam anos e anos em sua biografia e resiliência diante de doenças. Não por acaso, o tubarão-da-groenlândia e o rato-toupeira-pelado são alguns dos protagonistas do recém-publicado As Águas-Vivas Envelhecem ao Contrário (Editora Rocco), do cientista dinamarquês Nicklas Brendborg. A obra faz um tour pela natureza para colher descobertas e inspirações sobre a longevidade, oferecendo ensinamentos que poderão ajudar nossa espécie a prolongar sua expectativa de vida, seja por meio de novos hábitos, seja por meio de ferramentas da medicina.
As águas-vivas que estampam o título são um tipo conhecido popularmente como “medusa imortal”. Pequeninas, as Turritopsis nadam pelos oceanos ostentando um superpoder — o “prêmio de maior truque de envelhecimento”, segundo Brendborg. Se elas se sentem ameaçadas, realizam um reset e rejuvenescem ao estágio de pólipo. “Esse estado é semelhante ao de uma borboleta voltando a ser lagarta, ou a você quando tem um dia estressante no trabalho e decide voltar ao jardim de infância”, compara o autor. Seria uma criatura realmente imortal? Bem, só até um predador devorá-la.
Mas as lições promissoras para o ser humano vêm de bichos mais próximos da gente na história evolutiva. Com mais de 6 metros de comprimento, o tubarão-da-groenlândia parece viver em regime de hibernação ou câmera lenta — seu nome científico (Somniosus microcephalus) evoca um “sonâmbulo de cérebro minúsculo”. Especialistas estimam que alguns exemplares passam dos 400 anos, coroando-os como os vertebrados mais longevos da Terra. Podem flanar com eles as baleias-da-groenlândia, os mamíferos mais velhos do planeta, superando duas centenas de anos de vida. Esses animais exemplificam um fenômeno comum na natureza: os seres de maior tamanho tendem a encarar mais anos pela frente. No entanto, por uma lei ainda mal compreendida, quando focamos numa espécie em si — os cães, por exemplo —, as raças menores invertem a regra e deixam os grandões para trás.
Os tubarões e baleias dos mares frios têm uma capacidade fisiológica de lidar com um processo absolutamente normal, porém limitante: a senescência das células. Em algum momento de nossa existência, as unidades que formam o organismo passam a se degenerar, criando problemas para o corpo que vão da liberação de substâncias indesejadas à formação de tumores. E é aí que deparamos com o rato-toupeira-pelado, um bicho esquisito que habita tocas e, pelos padrões de roedores pequenos — um adulto pesa 35 gramas —, chega a incríveis 30 anos, deixando “parentes” como camundongos, com seus máximos 4 anos, vendo velas de aniversário. Esses animais são estudados há décadas, sobretudo por se resguardarem do câncer. “Eles são praticamente imunes à doença, mesmo quando tentam induzi-la de forma artificial”, afirma Brendborg, fazendo referência aos experimentos de laboratório. Cientistas investigam de que maneira suas células se blindam de tumores — e como esse trunfo poderá se converter no futuro em medicamentos capazes de esticar a vida de outras espécies, como a nossa.
A habilidade de pausar o tempo biológico e escapar de suas armadilhas está ligada a algumas circunstâncias que compartilhamos com outros animais. Uma delas é a formação do que o autor dinamarquês chama de “células zumbis”, unidades que, em vez de serem descartadas, perambulam e causam confusão pelo organismo. A outra é o encurtamento dos telômeros, os pezinhos dos cromossomos onde está empacotado nosso DNA. O grande desafio é conseguir, de uma forma segura e eficiente, intervir nesses alvos e moldá-los. Um jeito de obter esses efeitos já conhecemos de cor: é não fumar, abandonar o sedentarismo, comer com equilíbrio…
Na verdade, o envelhecimento saudável depende de uma combinação entre a influência dos genes e o impacto dos hábitos. Pesquisas recentes do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP sugerem que o estilo de vida é um fator ainda mais imponente para atingir a casa dos 80, mas os centenários parecem guardar no DNA segredos para ir mais longe. Se por um lado não dá para mudar esse destino — pelo menos ainda—, por outro nunca é tarde para transformar a rotina. E, nesse sentido, Brendborg diz que os estudos com babuínos e também com humanos deixam uma lição: fugir da solidão e forjar laços sociais são alguns dos ingredientes do elixir da longa vida.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902