Namorados: Assine Digital Completo por 1,99

Bom, mas não basta

Estudo revela que pessoas que praticam ações sustentáveis no seu dia a dia têm tendência a rejeitar políticas públicas de preservação de maior magnitude

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 16h10 - Publicado em 17 Maio 2019, 07h00

“Grandes coisas resultam de uma série de pequenas coisas reunidas.” A máxima, do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890), traduz com perfeição a ideia corrente — quase um lugar-comum — de que pequenas ações positivas podem transformar o mundo para melhor. No tocante à preservação do planeta, entretanto, a frase talvez não faça sentido — diferentemente do que alardeia boa parte dos ambientalistas. É essa a atordoante conclusão de um estudo que acaba de ser publicado na prestigiosa revista científica britânica Nature.

O trabalho, coordenado por pesquisadores das universidades Harvard, Fordham e Carnegie Mellon, baseia-­se em seis levantamentos da opinião pública americana acerca da aprovação de medidas macroeconômicas sustentáveis. Em linhas gerais, o estudo conclui que a adoção de praxes conservacionistas individuais costuma vir acompanhada de uma rejeição a políticas públicas e eficientes que visam à proteção do meio ambiente. Por exemplo: segundo a pesquisa, 70% dos americanos afirmam apoiar a implantação de impostos de carbono — taxas cobradas proporcionalmente à quantidade de CO2 emitida por uma empresa na queima de combustíveis fósseis. No entanto, o índice de aprovação cai, entre as mesmas pessoas, a 55% quando é oferecida a alternativa de juntar àquela medida oficial e de largo alcance escolhas individuais que recompensem os cidadãos que, por vontade própria, resolvam seguir atitudes consideradas “verdes” — tais como substituir o carro a gasolina pelo uso de um veículo elétrico. Ou seja, nesse cenário, 45% optariam apenas pelas ações tomadas individualmente, descartando as políticas públicas.

Para alertar as pessoas de que o melhor seria incentivar ambas as soluções — tanto as individuais como as públicas —, os cientistas concluíram que seria necessário explicar a cada uma delas como as medidas macro têm impacto muito mais significativo do que as mudanças singelas em sua rotina. “Sem esse empurrãozinho, percebemos que a tendência é que se exagere a noção que se tem da eficiência das ações de pequena escala — e, o que é o pior, o convencimento de que as mudanças implementadas de forma sistemática não seriam necessárias”, disse a VEJA o economista e psicólogo americano George Loewenstein, professor da Universidade Carnegie Mellon e um dos autores da pesquisa divulgada na revista Nature.

Isso não significa, é claro, que a conduta pessoal não tenha algum peso. Utilizar energia solar, reciclar o lixo e evitar canudos plásticos são ações que representam avanço em relação ao modo como tratamos a natureza — os canudinhos, por exemplo, são o décimo primeiro tipo de lixo mais encontrado nos oceanos. O problema está em se contentar com essas posturas individuais. “Uma boa ação feita em casa não exclui o bom samaritano de se responsabilizar pelo apoio a transformações em níveis mais amplos, como pressionar o governo por medidas sustentáveis em âmbito nacional”, opina o ecólogo Luiz Antonio Martinelli, professor da USP e pós-doutor em ecologia pela Universidade de Washington (EUA).

Não há dúvida de que o aquecimento global é um fato — a temperatura da Terra elevou-se em 1 grau desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII. No último dia 11, os índices de emissão de carbono medidos por um observatório no Havaí atingiram o nível mais alto em pelo menos 800 000 anos. No Alasca, o gelo formado durante o inverno começou a quebrar em 2019 mais rapidamente do que em qualquer outro período. No Ártico, no extremo norte do território russo, registrou-se temperatura de quase 30 graus ao longo da semana passada, em uma região que não atingia mais do que 12 graus. Problemas ambientais globais, a exemplo das mudanças climáticas, não serão solucionados por meio de escolhas sustentáveis pessoais, como deixar de usar a sacola de plástico do supermercado.

Continua após a publicidade

Para cumprir a meta firmada no Acordo de Paris, em 2015, por 195 países — limitar o aquecimento a no máximo mais 1,5 grau até 2100 —, é necessária a adoção de políticas planetárias de mitigação do problema. A cada 0,5 grau de elevação da temperatura, as consequências são drásticas — como o aumento de 50% das pessoas que passariam a viver em regiões com escassez de água. Caso se queira evitar cenários catastróficos, não adianta usar a lixeira certa do condomínio: seria preciso reciclar quase todo o lixo não orgânico do mundo e interromper a emissão artificial de CO2 em países ricos, entre outras medidas.

Há bons exemplos de como elevar atitudes individuais ao patamar de ações coletivas. A Alemanha tornou a reciclagem de lixo não uma escolha particular, e sim uma exigência. Todo consumidor se tornou responsável direto — com punição por meio de multa — pelo reúso, reciclagem ou descarte ecológico de, entre outros itens, embalagens de plástico. Resultado: 99% das latinhas e 97% das garrafas PET são recicladas naquele país. Quando o assunto é a natureza, são as grandes ações que realmente trazem resultados. Assim costuma ser em relação à maioria dos problemas de enorme magnitude. É como afirmou Abraham Lincoln (1809-1865), ex-presidente dos Estados Unidos empenhado no fim da escravidão: “Seremos bem-sucedidos apenas em conjunto. Não é ‘Será que um de nós consegue?’, e sim ‘Será que todos nós podemos fazer mais?’ ”.

Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635

Continua após a publicidade
Continua após a publicidade
carta
Envie sua mensagem para a seção de cartas de VEJA
Qual a sua opinião sobre o tema desta reportagem? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br
Continua após a publicidade

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai a partir de R$ 7,48)
A partir de 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$ 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.