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Cabeça feita: pesquisas mostram como a polarização política afeta a mente

Estudos nos Estados Unidos e em Israel analisam o comportamento dos cérebros de indivíduos estimulados por expressões e imagens com carga política

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h23 - Publicado em 4 mar 2023, 08h00

Monarquistas e republicanos, guelfos e gibelinos, jacobinos e girondinos. A história mostra com abundância de evidências que grupos opositores — identificados com a direita ou a esquerda — se engalfinham desde priscas eras. É um tanto reducionista, portanto, embora tentador, pensar na polarização política como postura iniciada, ao menos no Brasil, pelas turmas de Lula e Bolsonaro.

As raízes motivadoras das brigas quase sempre giram em torno da manutenção do poder e do controle de verbas, seja na Europa feudal, seja na República Florentina do século XIII, seja na França incendiada depois da Revolução de 1789. Os motivos são bem conhecidos, estão nos livros. Como esse processo se dá na cabeça dos envolvidos, porém, era um mistério intransponível. Até agora.

Pesquisas de universidades de Israel e dos Estados Unidos investigaram recentemente os processos cerebrais ativados pela exposição a conteúdos com intensa carga ideológica. Os resultados mostram que a polarização se manifesta na mente desses indivíduos identificados com a direita ou a esquerda muito mais cedo do que se imaginava e de formas diferentes, dependendo de sua orientação. Com isso, ambos os grupos de cientistas acabaram questionando teorias anteriores, largamente sedimentadas, de que eventuais divisões resultavam apenas do consumo seletivo e excessivo de notícias e das mídias sociais. Elas funcionam como alimento, claro, mas não tem a primazia da divergência.

No estudo conduzido por Daantje de Bruin e Oriel FeldmanHall, da Universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos, um grupo de 44 americanos, divididos entre democratas e republicanos, realizou várias tarefas cognitivas. Primeiro, os homens e mulheres leram uma lista de palavras — algumas politicamente carregadas, outras não. Depois, viram uma série de vídeos: um clipe de notícias com termos neutros sobre o aborto e um debate da campanha presidencial de 2016 com menções à brutalidade policial e à imigração. Em meio às atividades, eles foram submetidos a uma ressonância magnética, exame que mede pequenas mudanças no fluxo sanguíneo do cérebro.

POLARIZAÇÃO - Partidários de Lula e Bolsonaro discutem na rua: a história mostra que divisão entre opostos é antiga
POLARIZAÇÃO - Partidários de Lula e Bolsonaro discutem na rua: a história mostra que divisão entre opostos é antiga (Sergio Lima/AFP)
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Ao examinar os resultados, as pesquisadoras descobriram que, quando expostos a palavras muito politizadas como “aborto”, “imigração”, os participantes reagiram de acordo com os seus pares ideológicos. Ou seja, e eis aí o pulo do gato, a impressão digital neural criada por um cérebro conservador é mais parecida com outros cérebros também conservadores. Palavras neutras como “liberdade” não resultaram em reações especiais. “Os cérebros dos partidários estão processando informações de maneira polarizada, mesmo quando são desprovidas de qualquer contexto político”. diz FeldmanHall. É constatação que exige mais aprofundamento.

Em outro contexto, a pesquisa assinada por Noa Katabi e Yaara Yeshu­run, da Universidade de Tel Aviv, usa métodos semelhantes. Nesse caso, as pesquisadoras escanearam o crânio de 34 voluntários, metade de direita e metade de esquerda, e foram direto para o estímulo por vídeo. Quase no fim das eleições legislativas israelenses do ano passado, as pessoas assistiram a anúncios de partidos de ambos os extremos do espectro político. Os resultados mostraram diferenças notáveis em cada lado nas respostas ao material com muita carga ideológica. E os estímulos não se limitavam a áreas superiores do cérebro, associadas à interpretação e ao pensamento abstrato, mas a regiões básicas, responsáveis pela audição, visão e tato — seria possível, numa hipótese mais sensacionalista, acertar as opiniões de um indivíduo a partir de ressonância.

Não é para tanto, e convém ficar com o trabalho americano, mais modesto, e ainda assim muito mais interessante. Basta entender os extremos, como fez a dupla de investigadoras, para tentar combater a radicalização. Trata-se, enfim, de compreender o que vai nas cabeças feitas, mas ideias fixas e, sem jamais tolher a liberdade de escolha, combater a droga das fake news por meio da mais digna e humana ferramenta da civilização: o conhecimento.

Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

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