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Caiu do céu

No Brasil, astrônomos amadores já identificaram 25 chuvas de meteoros – uma delas será vista no domingo

Por Julia Moura Atualizado em 4 jun 2024, 21h42 - Publicado em 10 jun 2017, 08h00
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  • Ao examinar os primeiros registros de meteoros feitos no Brasil, no início deste ano, o analista de sistemas Carlos di Pietro e o funcionário público Marcelo Zurita perceberam que poderiam estar diante de algo inédito: uma chuva de meteoros “brasileira”. Como os céus do país nunca haviam sido vasculhados em busca desses resquícios de cometas, fenômenos assim jamais haviam sido identificados por aqui.

    Astrônomos amadores e integrantes da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon, na sigla em inglês), fundada em 2014, di Pietro e Zurita reviram os 86.000 registros feitos pela organização e encontraram fortes indícios de que estavam diante de uma completa novidade em território nacional. Mas, para prová-lo, precisariam fazer cálculos astronômicos complexos, que não dominavam. A ajuda veio do interior do Ceará: em Maranguape, o técnico de química Lauriston Trindade passou um mês estudando dezenas de artigos científicos sobre o fenômeno, desenvolvendo fórmulas e planilhas. Fez todas as contas manualmente e descobriu que estava diante não de uma, mas de duas chuvas de meteoros “brasileiras” – a Epsilon Gruids, que poderá ser vista na madrugada deste domingo, e a August Caelids, que risca os céus no início de agosto. Em março deste ano, elas passaram a fazer parte do catálogo oficial das chuvas de meteoros do Meteor Data Center, órgão ligado à União Astronômica Internacional. Na última segunda-feira, outras 23 chuvas de meteoros descobertas pela Bramon foram oficialmente reconhecidas, um feito extraordinário.

    O reconhecimento científico dos novos eventos marca o início da imensa contribuição que a observação de meteoros, feita em território nacional, pode trazer para a astronomia. Além das chuvas de meteoros, vasculhar os céus em busca dessas partículas produz dados fundamentais sobre o céu do Hemisfério Sul, que podem ser base de muitas outras descobertas, em diversas áreas da ciência. Até agora, ninguém havia feito uma investigação tão minuciosa desses corpos que riscam nosso céu.

    “Enquanto o Hemisfério Norte é forrado de fenômenos celestes, nós amargávamos um imenso ‘buraco negro’ de informações abaixo do Equador. Agora, com os nossos dados, o mapa começa a ser preenchido de maneira mais justa. É a história da astronomia sendo feita no Brasil por amadores, profissionais e estudantes de uma forma colaborativa”, diz Di Pietro, um dos fundadores da Rede.

    Os “caçadores” de meteoros

    Os meteoros que atingem a atmosfera da Terra possivelmente despertam nossa curiosidade desde que os primeiros homens olharam para o céu e enxergaram nele incontáveis pontos brilhantes além do Sol e da Lua. A chuva de meteoros ocorre quando partículas deixadas por resquícios de cometas atingem a atmosfera terrestre e entram em combustão – por isso, durante o evento, pontos luminosos parecem “despencar”, as conhecidas estrelas cadentes.

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    O mais antigo registro conhecido de eventos assim, durante uma chuva de meteoros, é de 36 d. C. e foi feito por astrônomos chineses. Há pelo menos dois séculos, grupos de astrônomos amadores e profissionais nos Estados Unidos e Europa fazem o registro das chuvas de meteoros que cortam os céus. Das cerca de 800 catalogadas, apenas vinte e seis (das quais vinte e cinco são brasileiras) estão no Hemisfério Sul – todas as outras foram identificadas acima da linha do Equador.

    A incrível diferença não acontece por um desequilíbrio cósmico, mas, simplesmente, porque, com a Bramon, há apenas quatro grupos de observação de meteoros no Sul do planeta – e todos com menos de uma década de existência. Por isso, alguns espetáculos celestes, como as chuvas de meteoros Perseidas, não costumam ser vistos por aqui. Por muito pouco, as chuvas de meteoros brasileiras não foram as primeiras de toda a porção meridional do globo. A chuva de meteoros “inaugural” da região foi vista em 2015, quando câmeras da Nasa instaladas na Nova Zelândia identificaram a chuva Volantids, que cruza os céus anualmente em 31 de dezembro.

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    Captura de meteoro feita por câmera da Bramon (Bramon/Divulgação)

    A ideia de incluir o Brasil no “mapa” das chuvas de meteoros veio da astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das maiores especialistas em meteoros e meteoritos no país. Nos anos 1990, Maria Elizabeth estudava as rochas que entram em contato com a atmosfera por meio de vídeos americanos e sofria com a falta de dados. Em palestras e aulas, começou a questionar a falta de grupos de observadores de meteoros por aqui e a incentivar a atividade em seminários e encontros científicos. Em 2002, chegou a instalar uma câmera amadora no telhado da UFRJ por conta própria, mas, sozinha, não conseguia fazer o trabalho de investigação dos meteoros.

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    Foi só em 2008, durante o Encontro Nacional de Astronomia, no Rio de Janeiro, que um grupo de fãs do astrofísico americano Carl Sagan ouviu Maria Elizabeth e, finalmente, se interessou pela proposta. Juntos, di Pietro, o engenheiro mineiro Cristóvão Jacques, os funcionários públicos Marcelo Domingues, de Brasília, e Renato Poltronieri, de São Paulo, decidiram buscar organizações europeias para tentar montar uma versão brasileira de investigação de meteoros. Observadores da Grã-Bretanha e da República Tcheca ofereceram treinamento, enviaram câmeras ao Brasil e orientaram sobre os melhores softwares para capturas e análises. Em fevereiro de 2014, com três câmeras de segurança instaladas em telhados da capital e interior de São Paulo, a Bramon deu início a suas observações.

    Atualmente, são 85 astrônomos amadores e profissionais e 95 estações de observação espalhadas por dezenove Estados brasileiros, em todas as regiões. Cada nova estação, bancada pelos próprios integrantes, é instalada por quem já participa da Rede e tem a tarefa de calcular o melhor ângulo para a câmera ser apontada ao céu. Conectada a um interruptor que a liga ao anoitecer e desliga ao amanhecer (já que o Sol ofusca os meteoros) e a um computador, ela registra toda a movimentação do céu. As informações são organizadas por um software e enviadas pela internet para a base de dados da Bramon que, em pouco tempo, terá uma sede física, no Planetário da Universidade Federal de Goiás (UFG).

    Câmeras de algumas das estações BRAMON pelo país
    Câmeras de algumas das estações BRAMON pelo país (Bramon/Divulgação)

    “Qualquer pessoa pode contribuir para esse projeto: 90% de nossos integrantes não têm conhecimento prévio de astronomia”, afirma di Pietro. Entre os membros, estão pessoas responsáveis pelas câmeras e também estudantes e profissionais, como químicos ou matemáticos, que contribuem para as análises e outros trabalhos da Rede.

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    A grande quantidade de observadores é importante para determinar com exatidão o ponto de entrada dos meteoros na atmosfera e para a identificação das prováveis chuvas de meteoros. Cada um desses eventos precisa ser registrado por pelo menos duas estações, para que não haja dúvidas do fenômeno e para que seja possível o cálculo das radiantes (local de onde as estrelas cadentes parecem se originar). Além disso, se o céu nublado inviabiliza a observação em uma área, outras podem fazer as capturas.

    Comparação dos mapas de distribuição das chuvas de meteoros na esfera celeste de 2013 (antes da Bramon) e 2016 (depois da Bramon):

    De acordo com o astrônomo Amaury Augusto Almeida, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), uma rede como a Bramon levou tanto tempo para se desenvolver no Brasil por ser vista como uma área de “pouco impacto científico” e, portanto, receber menos investimento.

    “Fazemos apenas a observação direta de asteroides que podem colidir com a Terra, o que é mais fácil e barato do que observar seus possíveis detritos, os meteoros. A Rede cobre um espaço ainda inexplorado pela comunidade científica, fazendo um trabalho fundamental e que já consegue cobrir uma ampla área do céu”, afirma Almeida.

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    Novas descobertas

    Investigando o céu, os observadores brasileiros conseguiram, além de identificar as chuvas de meteoros, também fornecer dados científicos para pesquisas inéditas. Procurando estrelas cadentes, a Bramon capturou raros fenômenos de descarga elétrica, chamados eventos luminosos transientes, um tipo de “relâmpago bizarro” ainda pouco estudado.

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    Registro de um dos eventos luminosos transientes, feito por câmera da Bramon (Bramon/Divulgação)

    “Temos pouquíssimos registros desses raios. Como a Bramon têm muitas estações espalhadas pelo Brasil monitorando o céu, conseguem mais registros do que nós, que somos pesquisadores. Em um mês de observação conseguimos registrar não mais que duas ocorrências, enquanto eles, em poucos dias, registraram dezenas”, afirma a meteorologista Rachel Ifanger Albrecht, professora de meteorologia do IAG-USP e especialista no fenômeno.

    Os vídeos e fotografias também ajudam na área da astroquímica, que analisa elementos e moléculas que compõem os corpos celestes. O estudo da luminosidade emitida pelos meteoros ao entrar na atmosfera pode dar indícios da formação do cometa que deu origem a esses detritos, ampliando, assim, a compreensão sobre o nosso sistema solar.

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    Além disso, como a Bramon está se tornando uma referência nos detritos que invadem a atmosfera, ela foi procurada, em 2016, por peruanos que acreditavam estar em posse de um meteorito. Willy Tolentino Padilha, morador de Tocache, no Peru, desconfiou que a pedra de cinco quilos que tinha em casa veio do espaço, já que seu pai a encontrou na lavoura depois de uma grande explosão luminosa e barulhenta em janeiro de 1995. Padilha enviou o material ao Brasil e ele está sendo analisado no Instituto de Química da USP.

    Além de revelarem novas informações sobre o universo em que vivemos, pesquisas desse tipo, que recebem dados retirados de registros simples e baratos dos meteoros, podem trazer pistas importantes para uma das questões fundamentais da ciência: como se deu o surgimento da vida na Terra. Uma das hipóteses levantadas pelos cientistas para a origem dos seres vivos em nosso planeta é a de que cometas ou meteoritos trouxeram até aqui alguns elementos responsáveis pelo aparecimento da vida. Ao que tudo indica, além de colaborar  na observação de belas chuvas de meteoros, os participantes da Bramon também devem conseguir, em pouco tempo, alguns indícios que ajudem a encontrar as respostas.

    Meteorito encontrado em Tocache, no Peru
    Meteorito encontrado em Tocache, no Peru (Bramon/Divulgação)
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