‘Cientistas precisam aprender a se comunicar melhor’, afirma Sarah Darwin
Em entrevista a VEJA, tataraneta de Charles Darwin falou sobre preservação ambiental e a relação do seu antepassado com a mata atlântica brasileira
Em 1831, quando cursava bacharelado e estava prestes a se tornar clérigo da igreja anglicana, o jovem Charles Darwin, aos 22 anos, foi convidado para se juntar ao HMS Beagle, expedição que passaria cinco anos viajando os continentes, a começar pela América do Sul, para estudar a natureza. A viagem foi essencial para a escrita do livro A Origem das Espécies, que fundou a Teoria da Evolução. Agora, a saga está sendo refeita por um grupo internacional de pesquisadores. Chamada de Darwin200, a expedição acaba de atracar no Rio de Janeiro, onde será realizado um grande evento, no Museu do Amanhã, que contará com a participação de Sarah Darwin, a tataraneta do evolucionista.
A britânica seguiu passos semelhantes ao do seu ancestral, no caminho da ciência. Formada em botânica, ela tem um doutorado em genética pela University College London, onde estudou a relação entre os humanos e a natureza. Além de uma biografia sobre o tataravô, Sarah assina uma obra sobre a preservação de Galápagos e um livro infantil sobre evolução.
Em sua passagem pelo Brasil, ela passou dois dias visitando a mata Atlântica, dará uma palestra, na próxima segunda-feira, 12, no evento realizado pela expedição e se juntará aos tripulantes para plantar 8 mil árvores nativas do país. A VEJA, a botânica e geneticista falou sobre preservação ambiental, a relação de Charles Darwin com o Brasil, a importância de galápagos e a necessidade de uma melhor comunicação científica.
Você acabou de voltar depois de dois dias na mata atlântica, correto? Como foi isso? Absolutamente mágico, uma das experiências mais maravilhosas da minha vida. Fui visitar a Reserva do Araçá, sede da Aliança de Pesquisa e Conservação da Mata Atlântica, uma porção intocada da floresta atlântica. Provavelmente algo parecido com o que Darwin experimentou quando esteve aqui, há quase 200 anos. Foi absolutamente incrível. A diferença é que Darwin visitou a mata quando chegou em Salvador e a floresta ficava bem próxima do litoral. Agora é preciso dirigir bastante para encontrar um pedaço de floresta. A área total foi reduzida para 8%. Realmente está diminuindo, mas a boa notícia é que há pessoas que se preocupam muito com a floresta e estão replantando e regenerando. Há coisas maravilhosas acontecendo agora.
Para Charles Darwin, certamente, foi algo essencial, mas como você acha que as pessoas poderiam se beneficiar da proximidade com a natureza hoje? Acho que para Darwin a natureza foi uma inspiração, sua paixão. Sem isso, ele certamente não teria desenvolvido a teoria da evolução por seleção natural. Algo realmente importante que gosto de dizer é que não é preciso estar na floresta tropical para encontrar biodiversidade, ela está em todo o lado, nos parques locais, nos jardins, literalmente em todo o lado. Basta abrir os olhos para aprender mais sobre a natureza. É saudável, tanto física, quanto mentalmente, e, obviamente, um dos motivos importantes é a crise de extinção por que estamos passando. Estamos perdendo milhares e milhares de espécies. Se todos estivessem olhando a natureza, todos desempenhariam um papel no trabalho de tentar protegê-la. Essa é uma das razões pelas quais estou tão entusiasmada com o projeto Darwin200.
Qual a importância dessa expedição? A maneira como nos comunicamos agora é diferente. A teoria da evolução de Darwin foi apresentada a um grupo muito pequeno de cientistas, na Sociedade Linneana de Londres, e então ele escreveu um livro que muitas pessoas têm, mas poucas leram. Foi escrito para o público – na verdade, é surpreendentemente legível. De qualquer forma, estou muito aniamda com o projecto Darwin200, eles estão criando uma forma inovadora de ensinar os jovens sobre conservação, mas também de permitir que estes jovens nos ensinem sobre aquilo que lhes interessa. Eles têm uma sabedoria enorme, fico maravilhada com o quanto sabem e o quanto se importam. Eles estão observando algumas espécies que Darwin relatou em sua viagem e verificando o status de conservação delas. Acho que podemos esperar grandes coisas disso. O conteúdo que esses alunos estão produzindo é extremamente impressionante.
Por que você acha que a tripulação escolheu o Brasil para sediar este grande evento? O Brasil era extremamente importante para Darwin, ele escreveu algumas citações adoráveis em seu diário sobre o país. Darwin amava a floresta tropical daqui.
Você ainda tem fortes conexões com Galápagos, certo? Qual é a importância do arquipélago hoje em dia? Galápagos é um laboratório natural de evolução. É também um lugar impressionante para se visitar. Os animais e os seres vivos não demonstram medo dos humanos, o que é bastante surreal. Não encorajamos as pessoas a tocarem nos animais, seja aqui ou nas Galápagos, mas as pessoas podem chegar muito perto deles. Darwin descreveu Galápagos como um mundo dentro de si. É este arquipélago isolado, que foi muito importante porque os seres vivos são muito diferentes – existem cerca de 40 ou 50 espécies nativas que são endémicas de lá.
Vemos todos os dias um monte de notícias enfatizando as mudanças climáticas e denunciando o uso insustentável da natureza. Como você vê isso? O que deveria ser feito para mudar essa perspectiva? Bem, especialmente os jovens sentem-se muito angustiados e muito sozinhos com isso. Acho que precisamos formar comunidades onde não nos sintamos sozinhos, para que possamos ter a coragem de encontrar formas de viver de maneira sustentável. Isso é o que temos que fazer. Durante esta visita à floresta tropical conheci Alex Antonelli que disse que precisamos proteger o que ainda temos, restaurar o que perdemos, lidar com a crise climática e com espécies invasoras e viver vidas mais sustentáveis. Essas cinco coisas são absolutamente brilhantes.
Você acha que voltar a se aproximar da natureza pode ajudar? Gosto de pensar em avançar com a natureza, em vez de voltar à natureza. As pessoas não gostam da ideia de voltar para nada, na verdade. Vivemos agora num mundo diferente e o que precisamos de fazer é encontrar formas de conviver com a natureza de uma forma mais sustentável. Precisaremos mudar nosso estilo de vida e os humanos são incrivelmente inteligentes, encontraremos soluções para viver uma vida boa e confortável.
Ao mesmo tempo que enfrentamos todos estes desafios, existe um grupo vocal de negacionistas da ciência e do clima em algumas partes do mundo. Como lidar com isso? A resposta é a ciência. Elas são negacionistas, mas na minha experiência o conhecimento deles não tem fundamento. Essa é a importância de ter um conhecimento baseado na ciência. Admito que os cientistas precisam aprender a se comunicar melhor com o público, mas a ciência está aí e, no que me diz respeito, parece não haver dúvidas de que a crise climática é impulsionada pelo homem, devido às emissões de carbono, ao desflorestamento e ao nosso estilo de vida.
A sua família toda tem uma conexão muito forte com a ciência, né?. Como foi isso para você? Você sentiu essa vocação se desenvolver naturalmente? Isso é interessante, porque também temos alguns artistas na nossa família. Alguns deles são cientistas, alguns deles são artistas. Não sei se está nos nossos genes ou se é apenas disso que gostamos, mas é assim que as coisas são. Tenho algumas inspirações. Charles Darwin foi um deles, com certeza, Alexander von Humboldt, um cientista alemão que inspirou Darwin também. Tem vários cientistas que eu admiro.
Muitas pessoas afirmam que, ainda hoje, existem empecilhos para mulheres trabalharem com ciência. O que você diria para garotas que querem se tornar cientistas e se inspiram em você? Trabalhar com ciência sendo mulher é incrível. Durante esta expedição pela Mata Atlântica estive com quatro mulheres e apenas um homem. Há muitas mulheres cientistas por aí, a ciência é uma ótima carreira para nós porque ela desenvolve muito os nossos pontos fortes, não vejo por que deveria haver diferenças. Eles, infelizmente, ainda não estão em posições de liderança, mas vão chegar lá. Isso vai mudar.