A frase é de Oscar Wilde: “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. A arte, extraída do fime Perdido em Marte, de 2015, dirigido por Ridley Scott: uma missão para o planeta vermelho termina em tragédia, em meio a uma tempestade. Um dos astronautas, atingido por uma antena, é dado como morto e deixado para trás pelos companheiros de aventura. Abandonado, solitário, precisa dar um jeito de sobreviver. O personagem — o botânico Mark Watney, vivido por Matt Damon — decide plantar batatas em solo marciano. A vida: um recente estudo de um laboratório de Pequim, divulgado pela revista Communications Biology, braço da Nature, descreve três bactérias capazes de aumentar a fertilidade em solo lunar. Ok, não é Marte, ainda, mas abre-se uma avenida fascinante.
A trinca de microrganismos, informa o trabalho, seria capaz de expandir em pelo menos 200% a oferta de fósforo na Lua, nutriente essencial para o crescimento de plantas, a exemplo do tabaco. Nem todos os problemas estão resolvidos, é claro, porque há condições alheias à agricultura no satélite natural da Terra, dadas a composição da atmosfera e a ausência de substâncias seminais. Mas assim caminha a ciência, em ritmo lento, embora esperançoso, de olho no futuro. “Os resultados podem estabelecer um recurso técnico para cultivos em futuras bases lunares”, escrevem os autores da celebrada investigação. Trata-se de um pequeno salto para um homem, um grande passo para a humanidade, de um setor conhecido como space farming, o agro espacial, um dos campos de maior crescimento.
Os avanços de conhecimento são notáveis. Trabalhos anteriores já haviam conseguido plantar uma espécie de mostarda em rochas trazidas da Lua, utilizando fertilizantes químicos. As bactérias reveladas pela Nature acelerariam a destruição das pedras, tornando o solo adequado ao cultivo. Mas e daí, se ainda não fomos capazes de colonizar a Lua? É questão pertinente, repetida à exaustão pelos céticos. Convém lembrar, porém, que a Nasa promete levar um ser humano de volta ao chão cinzento aonde um dia pisou Neil Armstrong em 2025. Dali para a frente, o céu seria o limite.
E poucos temas têm sido mais detalhados do que a possibilidade do cultivo nas bandas lá de cima, solução possível para eventual fracasso do ser humano com o meio ambiente aqui embaixo. No charmoso território do space farming, o Brasil — eis aí uma ótima notícia — pode vir a ter papel relevante. O país, um dos signatários dos Acordos Artemis, programa de cooperação internacional para exploração da Lua lançado pela Nasa, ganhou proeminência em virtude do extraordinário trabalho desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa.
Na semana passada, não por acaso, o presidente da Agência Espacial Brasileira, Marco Antonio Chamon, assinou um protocolo de cooperação com a Embrapa. É acordo que tem tudo para vicejar. Caminha de mãos dadas, reafirme-se, com o anúncio do trio de bactérias que antecipam mundos e fundos. “O estudo é interessante porque mostra o potencial dos microrganismos para o crescimento das plantas, corroborando o trabalho que já é feito em solo terrestre”, diz Jean Luiz Simões de Araujo, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Agrobiologia (CNPAB) da Embrapa.
Há, claro, muita estrada pela frente, mas convém não deixar de lado a real possibilidade de um dia colhermos frutos em órbita — sem abandonar as preocupações com as condições climáticas na Terra, atalho para a fome. A colheita cósmica, uma hipótese para lá de plausível, acelera a mais fascinante das ambições humanas quando olhamos para o céu: a possibilidade de promover a vida em um planeta ou satélite que não o nosso. Cientistas da Nasa estimam ser possível imaginar colônias lunares no ano 2040. É uma quimera, por enquanto, mas as sementes estão plantadas.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870