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De volta à vida: as espécies que foram salvas da extinção

Com iniciativas de resgate e clonagem promovidas por ambientalistas, veterinários e biólogos, dezenas de tipos de pássaros e mamíferos ganham nova chance

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 4 jun 2024, 14h32 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00
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  • A notícia veio devastadora como o fogo: 1 bilhão de animais morreram ou ficaram gravemente feridos nos incêndios da Austrália entre 2019 e 2020. Foi um dos piores desastres para a vida selvagem da história, e ambientalistas estimam que o número possa ter sido três vezes maior. A tragédia seria ainda mais desalentadora se boas-novas não estivessem vindo de outra frente. Desde que começaram a ser implementados, em 1993, programas de preservação de biomas e a reintrodução de animais na natureza, associados à proteção por meio de lei, salvaram da extinção ao menos 48 espécies de pássaros e mamíferos. É o que aponta o relatório de um grupo de cientistas da Universidade New­cas­tle, no Reino Unido, e da Bird­Life International, organização dedicada às aves e seu hábitat.

    Sem os esforços efetivos de naturalistas, veterinários e biólogos no mundo todo, espécies raras como o lince-­ibérico e o condor-californiano já estariam na lista de animais extintos. Um dos casos mais emblemáticos foi a reintrodução de onze exemplares do quase mitológico diabo-da-tasmânia na Austrália continental, justamente o país que relatou as dilacerantes perdas no primeiro semestre. Em setembro, o pequeno marsupial carnívoro, que tem em média apenas 70 centímetros de comprimento e 10 quilos, foi reapresentado a seu hábitat — uma reserva a 190 quilômetros da cidade de Sydney — depois de ter desaparecido completamente devido a causas combinadas que envolvem mudanças climáticas, intervenção humana e inimigos naturais.

    O diabo-da-tasmânia ganhou popularidade quando surgiu em um desenho animado do Pernalonga, em 1954. Ele girava como um tornado e devorava o que encontrava pela frente — características pertinentes, uma vez que o diabo se alimenta, inclusive, da carcaça de outros animais. A fama na televisão, no entanto, não o ajudou muito no princípio, pois somente a partir de 2006 a Warner decidiu direcionar parte dos lucros do Taz (o personagem dos desenhos) para o bem-­estar do animal. Mas, mesmo protegido na Tasmânia, a ilha a 240 quilômetros da Austrália que lhe dá o nome, o marsupial não se livrou do risco de desaparecer. Um câncer facial contagioso dizimou 90% da espécie, que só foi salva graças ao grupo de conservação Aussie Ark. Filhotes sadios foram isolados e são eles que, aos poucos, estão sendo reintroduzidos na Austrália continental. Na ilha, propriamente, restam menos de 25 000.

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    KURT - Potro clonado: células vivas congeladas quarenta anos atrás – (San Siego Zoo/.)

    Por um caminho diferente, outra instituição deu um passo relevante quando anunciou recentemente a bem-sucedida clonagem do cavalo-de-przewalski, um equino atarracado de pelagem castanha. Batizado em homenagem ao naturalista russo que o identificou no século XIX, o Przewalski é especialmente importante por ser o último dos cavalos selvagens. Programas similares ao da Aussie Ark já vinham reintroduzindo a espécie na Mongólia, China e Cazaquistão, mas o experimento do San Diego Zoo Global, em parceria com empresas de clonagem, é com certeza o mais impressionante em termos científicos. A partir do DNA de células vivas, congeladas quarenta anos atrás, obteve-se um potro macho saudável que, quando adulto, poderá acasalar, multiplicando a espécie que estava praticamente extinta.

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    O clone foi gestado em uma égua domesticada, que serviu de “barriga de aluguel” para o potro batizado de Kurt, em mais uma justa homenagem a um pesquisador falecido — desta vez, o cientista germano-americano Kurt Benirschke, que teve a visão de congelar o DNA de animais ameaçados antes mesmo que a clonagem fosse uma possibilidade testada e confirmada. Nos anos 1970, Benirschke já mantinha em criopreservação as sementes para um futuro que só se tornaria realidade em 1996, com a clonagem da ovelha Dolly.

    Felizmente, o resgate do diabo-da-tasmânia e do cavalo-de-przewalski faz parte de um conjunto de iniciativas que estão se tornando frequentes. Enquanto fundações buscam recursos para investir na biodiversidade, profissionais que ganham seu sustento fotografando a fauna estão trabalhando para salvá-la. É o caso dos fotógrafos associados ao projeto Remembering Wildlife. Desde 2016 profissionais que viajam o mundo clicando a vida selvagem têm doado suas fotos para a elaboração de livros, cujo lucro das vendas é revertido para a preservação de elefantes, rinocerontes, macacos, leões e guepardos.

    Ainda assim, todas essas ações combinadas parecem pouco diante das enormes perdas provocadas pelas chamas que consumiram as matas da Austrália e pela degradação de outros biomas do planeta. Por outro lado, como lembram os pesquisadores de New­castle, dezenas de espécies teriam deixado de existir se medidas práticas não tivessem sido tomadas. Às vezes, pequenos atos são a diferença entre a vida e a morte.

    Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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