Descobertas recentes no Vale dos Reis, no Egito, abrem porta para novas revelações
Elas representam o marco de um momento de inigualável produtividade nas escavações de tumbas

Em 1922, a descoberta da última morada de Tutancâmon, o faraó-menino, foi celebrada com pompa e circunstância, e o responsável pelo feito, o arqueólogo britânico Howard Carter, tratado como herói, um Indiana Jones antes do cinema. Na época, assim ele resumiu a epifania que entregava ao mundo: “Tudo o que temos de fazer é descascar os santuários como uma cebola, e estaremos com o próprio rei”. Na semana passada, mais uma dessas camadas do passado veio à tona: uma equipe de pesquisadores do Egito e do Reino Unido anunciou ter descoberto a tumba do quarto faraó da 18ª dinastia dos reis do Egito Antigo, Tutemés II, cuja localização exata se perdera há mais de 3 500 anos, no Vale dos Reis, próximo a Luxor.
Houve justificada celebração, dado ter sido a primeira descoberta no mítico vale em mais de um século, além de abrigar o faraó de uma dinastia de um tempo conhecido como a época dos “ricos e famosos”, um período — entre 1550 a.C. e 1295 a.C. — marcado por figuras icônicas como Tutancâmon, é claro, Aquenáton e Hatshepsut, mulher de Tutemés II, uma das rainhas mais poderosas do Egito, e Tutemés III, um dos príncipes mais influentes da história antiga daquele país.
A descoberta do sepulcro fecha uma fascinante história. Os restos de Tutemés II, depositados no Museu do Cairo, foram descobertos em 1886 pelo francês Gaston Maspero. Estavam em um mortuário em Deir el-Bahari, na Necrópole de Tebas, onde haviam sido escondidos com outros cinquenta corpos. “Sabemos que os sacerdotes retiravam as múmias para escondê-las e protegê-las de ladrões”, disse a VEJA Cintia Alfieri Gama Rolland, curadora da coleção egípcia do Musée des Confluences, em Lyon, na França. “O corpo era o que realmente importava para os egípcios, preservado para a eternidade.”
A saga agora iluminada de Tutemés II é marco de um momento interessantíssimo da chamada egiptologia — nunca, como agora, têm sido anunciadas tantas novidades. Em novembro passado, americanos e egípcios escavaram um terreno no qual foram localizados onze múmias, embora sem tanto relevo. Desde 2021 há intenso apoio das autoridades nos estudos arqueológicos, por saberem significar soft power, um modo de o Egito reconquistar parte da força perdida.

Há algumas motivações para a fase de sucesso: os recursos de rastreamento, com ajuda da já onipresente inteligência artificial, o apoio de satélites e uma condição geopolítica que não pode ser desdenhada. Até muito recentemente, os trabalhos de pesquisa eram quase sempre conduzidos exclusivamente por nações ricas, a exemplo da Inglaterra e da França. O jogo mudou e agora as parcerias são quase que compulsórias. Trabalhos no Egito impõem, por óbvio, equipes egípcias. Os moradores, por tradição, por estudo, por conviverem de mãos dadas com a história, por conhecerem as alterações climáticas, por serem autóctones, enfim, quase sempre têm informações em profusão — daí a relevância de tê-los como líderes dos projetos, o que não significa condenar quem vem de fora, ao contrário. A parceria com especialistas forasteiros implica uma imposição: já não se permite que achados arqueológicos sejam levados para outros países. No passado, muitas escavações feitas por missões europeias resultaram no envio de artefatos para museus estrangeiros, como o Museu Britânico, o Louvre e o Pergamon, em Berlim. Atualmente, tudo que vem sendo encontrado permanece em solo egípcio, sem discussão.
A festa em torno do mausoléu de Tutemés II, portanto, é retrato de uma nova era. Ela ajuda a desvendar enigmas, fecha o quebra-cabeça, porque se sabe onde descansou o poderoso personagem cujos restos estão no Cairo. Mas há entusiasmo, sublinhe-se, por manter aberta a porta de outras revelações. Ainda há muito por descobrir. Uma das grandes questões em aberto é a localização da necrópole dos faraós do Império Médio, entre cerca de 2050 a.C. e 1710 a.C., que nunca foi encontrada. “Onde estão esses faraós?”, pergunta a arqueóloga Gama Rolland. “Simplesmente não sabemos.” O Vale dos Reis continua sendo uma das áreas mais vasculhadas, mas existem outras regiões menos exploradas que podem oferecer achados de impacto. Em meio a essa nova era dos faraós, o Egito, do ponto de vista da ciência do passado, nunca foi tão moderno.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933