A foto correu mundo — ou melhor, “viralizou”, como se diz nestes tempos de império das redes sociais. Deitado ao lado do caixão de George Bush, que morreu no início de dezembro, o labrador Sully, que conviveu com o ex-presidente americano em seus derradeiros meses, parecia querer transmitir seu luto, sua melancolia. A imagem provocou comoção — mas não exatamente surpresa. Há muito o senso comum alerta a ciência: os cães esbanjam empatia pelos seres humanos. Quem tem um em casa — vale dizer, mais de 44% dos lares brasileiros, segundo o IBGE (enquanto 17,7% mantêm um felino sob o mesmo teto) — sabe que não é raro vê-lo espelhar o estado de espírito dos donos. O que era apenas uma impressão ganhou agora um patamar científico. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Linköping, na Suécia, e publicada no periódico inglês Nature’s Scientific Reports revelou uma extraordinária semelhança entre os índices de stress registrados em cachorros de duas raças bastante distintas e em suas respectivas proprietárias (ressalve-se que só mulheres aceitaram participar do levantamento).
O trabalho utilizou 58 cães, 33 deles pastores-de-shetland e 25 border collies. Os cientistas analisaram os níveis de cortisol — hormônio associado ao stress — presentes nos pelos dos animais e nos cabelos de suas donas e chegaram à conclusão de que eles eram muito parecidos.
Ao longo da pesquisa, cada proprietária respondeu a um questionário de 75 itens sobre o comportamento dos cachorros, dando notas de 1 a 5 a aspectos como animação, agressividade, medo etc. Além disso, elas tiveram de se manifestar sobre 44 frases — com as quais poderiam concordar ou não, numa escala de 0 a 5 — a respeito de si mesmas.
A relação mais estreita entre a produção de cortisol de um cão e a verificada em sua dona foi encontrada nos animais do sexo feminino e naqueles que eram treinados para competições diversas. Para o primeiro caso, os cientistas não arriscam justificativas; já para o segundo, é possível que a explicação esteja nos longos períodos de convivência indispensáveis para um bom adestramento. Outra relevante descoberta foi que aspectos como a idade dos cachorros e a das mulheres não pesavam em nada no nível de cortisol registrado pelos cientistas.
Estudos anteriores já haviam revelado que a proximidade entre cachorros e seres humanos estava estreitamente relacionada a hormônios. Uma pesquisa de 2015 feita no Japão mostrou que um simples olhar entre cães e humanos é suficiente para estimular, em ambos, a produção de oxitocina, substância responsável pela sensação de apego e de prazer (sua liberação ocorre, para citar uma situação, durante interações entre pais e filhos).
Não há dúvida, porém, de que o trabalho feito na Suécia avançou na constatação científica da existência de empatia entre cães e pessoas. Embora anuncie para breve pesquisas que incluirão o sexo masculino no lado humano do levantamento, a bióloga Lina Roth, coautora do estudo, acredita que o objetivo principal do trabalho realizado em Linköping foi alcançado. Apesar disso, Lina admite que algumas perguntas seguem sem resposta. Uma questão que surgiu logo depois da conclusão do trabalho foi a seguinte: o.k., o humor das pessoas tem influência no dos cães; contudo, será que o contrário é verdadeiro, o bem-estar dos animais interfere no de seus proprietários? Ainda que a interrogação permaneça suspensa no ar, a cientista está convencida de que a relação entre os cachorros e os humanos deva ser “de apoio e cuidado mútuo, algo que pode ser aproveitado de forma positiva pelos dois”. Em todas as horas — até nas de tristeza.
Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639
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