O período entre os anos de 500 e 400 a.C. foi de muito instabilidade e violência na região dos Andes Centrais, onde fica atualmente no território do Peru. A conclusão foi de uma investigação conduzida em 67 indivíduos exumados de um cemitério localizado no Vale de Supe, a poucos quilômetros de Caral, onde viveu uma antiga civilização peruana.
No local investigado ficava um famoso centro cerimonial que esteve em funcionamento entre 2900 a.C. e 1800 a.C. “Nesse cemitério, detectamos padrões de lesões característicos de eventos repetitivos de violência interpessoal”, diz o pesquisador peruano Luis Pezo-Lanfranco, que conduziu a pesquisa quando ainda era membro do Laboratório de Antropologia Biológica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “Dos indivíduos examinados, 80% dos adultos e adolescentes morreram em decorrência dos traumatismos infligidos.”
As ossadas, segundo os pesquisadores, datam de 500 a 400 a.C. Pezo-Lanfranco conta que as lesões perimortem (isto é, ocorridas no momento da morte) encontradas em ossos do crânio, face e tórax de vários indivíduos são compatíveis com violência letal provavelmente intercomunitária. Essa violência não vitimou apenas homens e mulheres, mas também crianças. “Nossa hipótese é que um grupo alheio à comunidade teria chegado no local e perpetrado os homicídios”, afirma.
Após a saída dos agressores, os mortos teriam passado pelos ritos regulares de sepultamento. Dos 67 indivíduos estudados, 64 foram enterrados em posição fetal, um padrão recorrente nos sepultamentos de várias populações pré-históricas e antigas do mundo. Por ser característico da fase intrauterina, alguns especialistas acreditam que estava associado à ideia de continuidade da vida depois da morte ou de renascimento.
Apesar de o traumatismo perimortem ser o mais frequente nos esqueletos estudados, amplamente distribuído entre adultos de ambos os sexos e em algumas crianças, muitos exemplos de traumatismo antemortem (isto é, antes da morte) também foram encontrados, e vários indivíduos apresentam as duas formas de traumatismo, antemortem e perimortem, o que sugere pelo menos dois eventos violentos ao longo da sua vida, um que gerou fraturas que depois cicatrizaram e outro que os vitimou.
Além dos sinais de violência, a análise das ossadas aponta alta incidência de estresses inespecíficos e doenças infecciosas, que podem estar associadas a más condições de vida decorrentes de uma combinação de pobreza de recursos e crescimento populacional. “Estudos revelaram que os produtos agrícolas básicos eram a principal fonte de subsistência”, diz Pezo-Lanfranco.
O pesquisador argumenta que esse cenário pobre de recursos no vale de Supe provavelmente se relaciona com o colapso da cultura Chavín, que se expandiu pela serra e costa do Peru entre 1200 a.C. e 500 a.C., e cujo centro era o sítio monumental de Chavín de Huantar, localizado no norte do Peru, na bacia do rio Marañón, que nasce nos Andes peruanos a cerca de 5.800 metros de altitude e flui para leste, até formar, no Brasil, o Solimões.
Para a equipe de pesquisadores envolvida no estudo em pauta os achados são ainda mais relevantes exatamente por virem de uma época tão pouco documentada da arqueologia andina. Poucos cemitérios desse período foram escavados nos Andes Centrais e em menos ainda têm sido encontradas amostras com tão boa preservação, que, nesse local, devido à aridez do clima, permitiu a observação detalhada de lesões em ossos quase íntegros.