“É a vontade que faz o homem grande ou pequeno”, observou o escritor alemão Friedrich Schiller (1759-1805). Não é de estranhar, portanto, que a simples ideia de tê-la sequestrada por alguém cause um desconforto indescritível — algo próximo do pavor. Não foi com esse propósito, é claro, mas uma experiência científica recém-divulgada trouxe à tona, mais uma vez, o receio de que todo o empenho para que se consiga controlar integralmente os centros de comando da mente não seja algo destinado a só trazer benefícios, como a libertação de um vício, por exemplo — vale dizer, reacendeu o temor de que o emprego de tal conquista não tenha por objetivo fazer apenas homens grandes.
Em um artigo publicado na revista Science Advances, pesquisadores da Universidade de Utah (EUA) revelaram que, trabalhando com macacos rhesus, desenvolveram uma técnica capaz de controlar partes do cérebro para que as ações dos animais fossem predeterminadas. No experimento, dois símios foram condicionados a olhar uma sequência de pontos que apareciam numa tela — eles ganhavam diferentes recompensas toda vez que seguiam corretamente o treinamento. Numa segunda etapa, os cientistas submeteram regiões cerebrais das cobaias responsáveis pela atenção e pelo movimento voluntário dos olhos a pulsos de ondas sonoras agudas. Isso fez com que os macacos olhassem em uma direção que não aquela para a qual tinham sido condicionados, influenciados pelas rajadas ultrassônicas.
Os pesquisadores acreditam que a experiência possibilite tratamentos de distúrbios como a drogadição ou a compulsão alimentar. “Ficou evidente que não há trauma físico quando se induzem decisões por meio desse procedimento, porém, em um possível uso do método em pessoas, submeter-se a ele partirá sempre de uma escolha”, disse o neurocientista Jan Kubanek, autor da pesquisa. Seria algo próximo do que ocorre com o protagonista de Laranja Mecânica (1971), filme de Stanley Kubrick (1928-1999) baseado no livro de Anthony Burgess? Nele, o personagem aceita ter seu comportamento violento reprogramado. “Inúmeros experimentos com foco na psique, e que, no início, eram fruto de boas intenções, foram abandonados após ser submetidos à sociedade e provados como violações dos direitos humanos, afirma o psicólogo Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Uerj. A alteração artificial de decisões, como propõe o novo estudo, deve chegar a esse ponto de discussão ética.
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Clique e AssinePublicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689