Nas últimas duas décadas — graças sobretudo ao desenvolvimento de pesquisas que se baseiam na ciência genética — avançou-se de forma extraordinária no conhecimento de como era a Terra há dezenas de milhares de anos. Entre as descobertas de maior impacto está a de que, 100 milênios atrás, o Homo sapiens não era a única espécie existente de humanos. Naquela fase, dividíamos o planeta com alguns, digamos, “primos” — caso dos neandertais e também dos Hominídeos de Denisova, cujos fósseis foram encontrados na Sibéria em 2010. Um estudo publicado na quinta-feira 19 na revista científica americana Cell contribuiu de maneira expressiva para o progresso nas pesquisas a respeito dos denisovanos.
Pela análise do DNA presente em ossadas, cientistas da Universidade Hebraica de Jerusalém recriaram como seria o rosto de uma mulher dos Hominídeos de Denisova. O trabalho utilizou uma técnica conhecida como metilação genética. Por meio dela, em vez de sequenciar todas as bases nitrogenadas do DNA, analisam-se os efeitos de genes específicos. Para reconstituir a face da ancestral, testou-se primeiro o procedimento em chimpanzés. Deu certo. O segundo passo foi colher DNA de denisovanos em fósseis de 100 000 anos. Com esse material, uma simulação em computador resultou na figura que aparece à esquerda, nesta página.
Antes do avanço da genética, era necessário supor a aparência de seres antigos pela dedução de como seriam cobertos os esqueletos encontrados. Foi assim que se imaginou o rosto de Lucy, a Australopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de anos e é uma possível representante do elo perdido que teria originado os humanos. Com a análise de genes, além de a recriação ser precisa, chega-se a outras revelações. “Ela pode nos mostrar como grupos humanos se adaptaram e quais genes motivaram cada mudança evolutiva”, disse a VEJA o geneticista israelense Liran Carmel, coautor do estudo. Pouco a pouco, o passado da humanidade vai ganhando uma nova cara.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653