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Imitar a natureza é o caminho para preservar a Terra, diz cientista

Janine Benyus popularizou a biomimética, que prega o uso das estratégias naturais para solucionar problemas gerados pela humanidade

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 mar 2023, 16h11

Narradora do documentário Biocêntricos, dirigido por Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim, a cientista e escritora americana Janine Benyus popularizou a biomimética, ciência que prega o uso das estratégias da natureza para solucionar problemas gerados pela humanidade. No filme, que está em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília e Salvador, ela apresenta personagens como o engenheiro e observador de pássaros Eiji Nakatsu, que usou como referência o formato aerodinâmico da cabeça do martim pescador para redesenhar a locomotiva do trem bala e, com isso, reduziu em 15% o consumo de energia do veículo. Outro personagem marcante é o carioca Fred Gelli, um dos designers mais requisitados do mundo por seu trabalho com marcas e embalagens.

Voz importante no movimento de sustentabilidade e cofundadora do Biomimicry Institute, Benyus defende as soluções da biomimética para problemas do dia-a-dia, o diálogo entre naturalistas e designers e a aplicação de estratégias da natureza para a mitigação de problemas ambientais. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que a autora concedeu a VEJA:

Quando e onde começa a biomimética?

A maneira mais fácil de explicar o porquê da biomimética é lembrar quanto tempo tem a vida na Terra, 3,8 bilhões de anos. A vida está se adaptando a este planeta, e o planeta está se adaptando à vida. Nossa espécie, o Homo sapiens sapiens, surgiu há cerca de 250.000 anos. Portanto, somos uma espécie jovem, com um grande cérebro, muito inteligente e brilhante. Mas existe todo um mundo funcional e sustentável que já havia sido inventado [antes de nós]. E isso foi testado pelo tempo, no contexto da Terra. Ou seja, como viver neste planeta sem matar os filhotes, o que é uma coisa muito importante para todos os organismos. Além de procurar alimento, eles tinham de construir suas casas para proteger suas famílias, garantir a sobrevivência de seu núcleo e de sua espécie. É uma história de sucesso.

engenheiro e observador de pássaros Eiji Nakatsu, que usou como referência o formato aerodinâmico da cabeça do martim pescador para redesenhar a locomotiva do trem bala
O engenheiro e observador de pássaros Eiji Nakatsu, que usou como referência o formato aerodinâmico da cabeça do martim pescador para redesenhar a locomotiva do trem bala – (David Vêluz/Divulgação)

E como nós humanos não vimos isso na natureza logo de cara?

Eu me pergunto isso todo dia. Por que não percebemos isso antes? Houve um tempo em que invejamos e admiramos os organismos com os quais convivemos, tínhamos inveja que eles podiam voar, víamos como limpavam a água, como construíam no solo. Víamos que sabiam alguma coisa e acho que prestamos mais atenção. Após a revolução industrial e científica, no entanto, ficamos muito fascinados e encantados com nossas próprias idéias.

E o que aconteceu?

Somos uma espécie jovem e, portanto, muito arrogante e pouco humilde. Podemos fazer coisas incríveis. Mas a questão é: essas tecnologias que criamos estão bem adaptadas à vida na Terra? Qual o seu ciclo de vida? Uma árvore perde suas folhas que caem e alimentam o solo ao redor dela. Ou seja, sobrevive-se ou não com base em quão adaptada é a sua tecnologia. Por muito tempo não sofremos as consequências não intencionais [dessa inadaptabilidade]. Agora, estamos vendo as consequências não intencionais das mudanças climáticas, do aumento de poluentes tóxicos e da queda de biodiversidade. Por isso, as pessoas estão recorrendo à biomimética.

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Como a biomimética surgiu na sua vida?

Foi no início dos anos 1990. Eu havia escrito cinco livros de história natural. Portanto, trabalhos sobre habitat da vida selvagem e comportamento animal. Mas não sabia muito sobre como nosso mundo foi projetado. Não sabia muito sobre engenharia, design ou arquitetura. Imaginava que um designer industrial envolvido em um projeto de aquecedor solar conversasse com um biólogo para saber como as plantas absorvem a radiação do Sol. Fiquei chocada ao saber que isso não acontecia desse jeito, esses profissionais mal se falavam. Foi então que comecei a pesquisa. Toda vez que encontrava um artigo, eu o arquivava. E então pensei, bem, está acontecendo. É um pequeno fio de água, mas deveria ser uma inundação. Foi quando decidi escrever um livro, Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza [1997, Editora Cultrix], a fim de transformar o gotejamento em um fluxo completo.

Fred Gelli, um dos designers mais requisitados do mundo por seu trabalho com marcas e embalagens
Fred Gelli, um dos designers mais requisitados do mundo por seu trabalho com marcas e embalagens – (Biocêntricos/Divulgação)

Desde então, como a biomimética evoluiu?

Fui testemunha dessa evolução nos últimos 25 anos. No início, digitávamos biomimética nas ferramentas de busca — ainda não havia o Google — e como resultado surgiam respostas sobre o significado original da palavra: o sistema de cores das borboletas, que são resultado da reflexão e refração de nanoestruturas embutidas nas suas asas. Há duas semanas, fiz a mesma pesquisa e como resultado obtive 93 milhões de páginas sobre o tema que envolve a prática de imitar designs que ocorrem naturalmente por meio de tecnologia humana.

Mas qual foi o ponto de inflexão desse progresso?

Vi a biomimética sair da academia e observei esse salto para a comercialização. Para se ter uma ideia, realizamos algo chamado prêmio Ray of Hope todos os anos no Biomimicry Institute. E temos cerca de 250 startups de biomimética, empresas iniciantes comerciais todos os anos disputando um prêmio de 100.000 dólares. Isso é incrível. Lecionamos em um curso de Mestrado em Ciências de dois anos na Arizona State University, as pessoas estudam para serem biomiméticas e são contratadas por empresas. Por exemplo, um de nossos alunos agora é o diretor de biomimética da Microsoft. Trabalhamos com a Ford, com o Google e a P&G. A biomimética está se tornando real agora.

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Como a biomimética pode ajudar na mitigação das mudanças climáticas, por exemplo?

Há duas coisas a fazer para prevenir a mudança climática: parar de emitir gases de efeito estufa, e reduzir o CO2 e o metano que já estão na atmosfera. Em ambas as categorias, há todos os tipos de ideias biomiméticas. Existem células solares que são finas como folhas [de plantas] e podem ser usadas para revestir um edifício. Existem turbinas eólicas com hélices desenhadas como as nadadeiras da baleia jubarte. Por outro lado, o dióxido de carbono no mundo natural não é um veneno. É um bloco de construção. Então, há empresas que invertem essa lógica, sequestrando carbono do concreto e direcionando-o para outras atividades. Isso pode ser aplicado a uma série de elementos da vida cotidiana, como construir barreiras de concreto para evitar enchentes com formas atraentes para corais, ostras e outros seres marinhos. Há muita coisa acontecendo na biomimética.

Como se envolveu com esse documentário? Por que decidiu participar dele?

Fiz muitos filmes sobre biomimética nos últimos 25 anos. Este é o mais bonito. Não apenas conta a história de como a biomimética está se desenvolvendo no mundo, os cineastas conversam com os designers Bruno e Pedro Rutman, que desenvolveram uma forma revolucionária de reflorestamento, e Benki Piyãko, líder indígena e agente agroflorestal que viaja o mundo promovendo o intercâmbio entre os conhecimentos ancestrais e a ciência moderna. São apenas alguns entre tantos momentos no filme. É muito artisticamente feito. A natureza e os designs da natureza é que eles não são apenas eficientes, mas funcionalmente incríveis e lindos. Por isso, sinto que este filme captura nossa história. Por que decidi participar? Há toda uma comunidade de pessoas cuja história nunca foi contada. E este é o início de um retrato do que é a biomimética.

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