A saga Indiana Jones, um dos maiores sucessos da história do cinema, consagrou um estereótipo para a profissão de arqueólogo. O personagem interpretado por Harrison Ford é um sujeito destemido, dotado de grande caráter e que se dispõe a explorar os lugares mais inóspitos para desvendar mistérios do passado — nem que, para isso, tenha de investigar cavernas escuras e sombrias, catacumbas habitadas por serpentes e mausoléus em ruínas. Pode até ser que parte desses atributos ainda seja indispensável, mas a imagem do arqueólogo que literalmente coloca o pé na lama e se aventura em perigosas escavações está com os dias contados. O uso de radares ultrassensíveis, sensores ópticos e acústicos, lasers tridimensionais e, principalmente, scanners de alta potência mudou a maneira de esquadrinhar os vestígios do passado. Agora não é preciso mais cavar: os arqueólogos só precisam posicionar o equipamento sobre uma superfície e a tecnologia faz o resto, revelando o que está oculto. “A arqueologia de campo deixou de ser considerada uma análise genérica da história para se tornar uma ciência multidisciplinar e tecnológica”, disse a VEJA Maurizio Forte, fundador do laboratório Dig@Lab, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, referência mundial na área.
A ciberarqueologia tem acelerado as descobertas de sítios arqueológicos. No início de junho, cientistas italianos mapearam em detalhes a cidade romana Falerii Novi, fundada em 241 a.C. Apesar de a relíquia estar completamente soterrada, não foi feita nenhuma escavação no local. Os arqueólogos descobriram, apenas com o uso de radares, um templo e um teatro, além da rede subterrânea de encanamento. Embora impressionante, não se trata de um achado único. Em outubro do ano passado, uma expedição científica desbravou quase 1 000 novos sítios arqueológicos na ilha escocesa de Arran, entre assentamentos pré-históricos e fazendas medievais. Mais uma vez, a tecnologia foi a protagonista: os pesquisadores utilizaram um laser aéreo que criou um mapa tridimensional da superfície da ilha. Se a arqueologia terrestre foi dominada pelos equipamentos de alto desempenho, a subaquática não fica atrás. Cientistas têm usado robôs para explorar áreas nas profundezas do oceano. Sensores com sonar operados remotamente fornecem imagens claras do mundo marítimo, onde repousam objetos que contam parte da aventura humana.
As novas tecnologias também jogam luzes sobre o Santo Graal da arqueologia: as pirâmides do Egito. Cientistas trabalham para capturar o maior número possível de detalhes da pirâmide de Djoser, a mais antiga do país, para restaurá-la. Erguido há 4 600 anos, o monumento está em maus lençóis: algumas pedras começaram a cair da estrutura, relembrando os arqueólogos de que eles dispõem de pouco tempo para colher as medidas e texturas da pirâmide. Dada a necessidade imposta pela pressa, os pesquisadores rapidamente montaram duas máquinas em tripés ao redor de Djoser para fotografar o monumento em alta resolução. Enquanto isso, um especialista escalou a estrutura com um scanner preso nos ombros, coletando dados e medidas. Assim, juntando todas as informações em um computador, foi possível gerar imagens detalhadas da milenar construção, verificar cada pormenor e saber o que precisa ser feito para salvar Djoser.
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Clique e AssineSerá o fim da arqueologia tradicional? A resposta não é tão simples. Embora na maioria dos casos os equipamentos sofisticados sejam imprescindíveis, também há ocasiões em que as técnicas convencionais, como a velha escavação, não podem ser descartadas. “As novas tecnologias permitem que analisemos sítios e fósseis de forma rápida, detalhada e fiel, o que resulta em estudos mais eficientes”, afirma Danielle Samia, geógrafa especializada em arqueologia da Universidade Federal do Piauí. Mas a tecnologia, diz ela, nunca será capaz de substituir o elemento mais decisivo da arqueologia: o olho humano.
Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693