Lançamento da missão Artemis prepara retorno da humanidade à Lua – e mira além
Cinquenta anos depois da última passagem pelo satélite natural, envio de cápsula tripulada representa um avanço científico fundamental
Uma das frases mais emblemáticas da história da civilização e do conhecimento humano tem já 56 anos. “Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”, disse Neil Armstrong ao pisar na Lua, em 20 de julho de 1969, apogeu da missão cumprida pela Apollo 11. Em 1972, o comandante da Apollo 17, Eugene Cernan, deixaria a última pegada terráquea no regolito. De lá para cá, como se andássemos para trás, o satélite natural foi esquecido — ou quase, porque vagou pelos sonhos.
Na semana passada, enfim, a Nasa anunciou o lançamento de uma tripulação a caminho da Lua em fevereiro de 2026, a bordo da cápsula Orion. Os quatro astronautas (três homens e uma mulher) não descerão no campo rochoso, não darão passo algum em chão de pedra, mas é capítulo histórico. Em dez dias de ida e volta, além do passeio ao redor da circunferência lunar (veja no desenho), estarão no espaço não por nostalgia, ou porque atravessamos uma outra Guerra Fria, agora entre os Estados Unidos e a China, réplica imperfeita do confronto entre americanos e soviéticos no período entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim. A motivação do retorno é científica, sobretudo.
A ideia é garantir segurança para futuras aventuras. Abrir caminho para que, em 2027, um ser humano volte a deixar uma pegada lá em cima, dentro do cronograma previsto. Buscam-se, agora, minerais que cá embaixo inexistem e, quem sabe, água. Estudam-se os limites de sobrevivência de gente como a gente em território inóspito. Os avanços de agora, na comparação com 1969, justificam a iniciativa, que soa antiga, mas não é. Trata-se de magnífico trampolim para desvendar parte do infinito, outras galáxias, talvez — mas certamente Marte, o planeta vermelho, que nunca deixou de exercer fascínio. “Vamos usar as modernas compreensões da física — a gravidade da Terra e da Lua — para garantir que possamos trazer a tripulação de volta sem a necessidade de grandes correções de curso ou queimas de propulsão”, diz Lakiesha Hawkins, especialista em sistemas de exploração da Nasa. “Isso é algo que já experimentamos antes; se lembrarmos do passado, fizemos assim nas missões Apollo 8 e Apollo 13, e agora aperfeiçoaremos os cuidados.” Contudo, a reentrada na atmosfera é sempre momento de grande preocupação e, é natural, de cautela. Por isso tanta demora para a retomada.
A missão Artemis II é a continuação do sucesso da Artemis I, que, em novembro e dezembro de 2022, realizou um voo não tripulado bem-sucedido. Foi um teste para a espaçonave e seu foguete, atalho para a missão tripulada. Há, porém, apesar do recente anúncio, de todo o bem-vindo estardalhaço, algum receio: o governo de Donald Trump reduziu os gastos com a exploração lunar, influencia do pelo amigão Elon Musk, amante de Marte. Sim, Musk já era, deixou a administração do republicano, brigou com o parceiro, mas o empenho marciano, está aí, vivíssimo. Aposta-se na preservação do projeto lunar, contudo, porque ele tem, digamos assim, pé no chão. Olha para o futuro, sem dúvida, mas tem estacas fincadas no real. “Diferente do programa Apollo, estamos voltando à Lua com o objetivo de estabelecer uma presença sustentada em sua superfície”, disse a cientista Hawkins. “Queremos demonstrar a capacidade de permanência a longo prazo na Lua.” Não se trata, portanto, de abraçar o universo, ainda que um dia esse movimento possa ocorrer.
A turma da Artemis II, enfim — antes que a Artemis III pouse lindamente no branco que vemos nas noites enluaradas —, deve ser celebrada. O comandante Reid Wiseman, o piloto Victor Glover e os especialistas de missão Christina Koch e Jeremy Hansen tendem a ir para as enciclopédias. Devem ser aplaudidos como heróis de um período de negacionismo acelerado pela obtusidade ideológica. Cumprirão, uma vez mais, a ambição rabiscada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges em um belo poema: “Ariosto me ensinou que a duvidosa Lua abriga os sonhos, o inapreensível, o tempo que se perde, o possível/ ou o impossível, que é a mesma coisa”.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964








