Um estudo inédito da Universidade Federal Fluminense (UFF) revelou uma realidade subentendida, mas nem por isso menos preocupante: mães cientistas estão significativamente mais vulneráveis à depressão do que seus colegas homens que também são pais. A pressão para equilibrar a vida familiar e as exigências da carreira acadêmica tem um impacto desigual na saúde mental das mulheres. Enquanto 22% dos pais acadêmicos apresentam sinais de depressão, esse número chega a 42% quando olhamos para as mães pesquisadoras.
O estudo foi feito pelas pesquisadoras Letícia de Oliveira e Mirtes Pereira, do Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento da UFF, e foi destaque no IV Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, promovido pelo movimento Parent in Science com apoio do Instituto Serrapilheira e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Além de discutir os desafios enfrentados pelas mães nas carreiras científicas, o evento buscou encontrar soluções para reduzir a desigualdade de gênero no ambiente acadêmico.
O peso invisível da maternidade
A maternidade, conforme revela o estudo, transforma a jornada acadêmica em uma corrida de obstáculos. Para as cientistas, cuidar dos filhos enquanto conciliam os prazos e a pressão por resultados acadêmicos é uma equação desgastante. No final do ano passado, por exemplo, o CNPq citou a gestação de uma pesquisadora como argumento para rejeitá-la em um processo seletivo para bolsa. Essa realidade resulta em um aumento no estresse, muitas vezes evoluindo para quadros de depressão. “A associação entre dificuldades na saúde mental e a sobrecarga materna é, muitas vezes, invisibilizada no ambiente acadêmico”, afirma, em nota, Fernanda Staniscuaski, coordenadora do Parent in Science.
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O desafio pode ser ainda maior para as mães pesquisadoras negras ou de filhos com deficiência. De acordo com o levantamento, 55% das cientistas negras com filhos apresentam probabilidade de diagnóstico de depressão. Esse número sobe para 60% entre as mães de crianças com deficiência, tornando evidente que a maior demanda de cuidado torna as mulheres cientistas ainda mais vulneráveis aos quadros depressivos.
Diferenças nos resultados
E se ainda restam dúvidas sobre o impacto da sobrecarga materna, uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Psychology em 2021 deixa claro o problema. O levantamento mostrou que, em 2020, apenas 47% das cientistas que são mães conseguiram publicar artigos acadêmicos, enquanto entre os pesquisadores homens com filhos esse número foi de 76%. Esse dado é crucial porque o número de publicações costuma ser um fator decisivo para o avanço na carreira acadêmica. Isso revela a existência de um “teto de vidro”, que impede muitas cientistas que optam pela maternidade de subir os degraus das profissões.
Propostas para mudar o jogo
Diante de uma situação tão alarmante, o movimento Parent in Science e outras instituições estão mobilizadas para criar políticas de apoio mais inclusivas. “Não basta fazer política apenas para mulheres no geral.emos que pensar em políticas ainda mais específicas para grupos que sofrem mais impacto, como mulheres negras e aquelas que têm demandas maiores de cuidados por causa de atipicidades e deficiências”, disse Letícia de Oliveira durante a divulgação dos dados, ressaltando que a maternidade não deveria ser uma barreira para a permanência das mulheres na academia.
Para muitas dessas mulheres, o apoio que surge agora pode ser a diferença entre abandonar a carreira ou continuar a trilhar o caminho do conhecimento. Essa perspectiva impulsionou o lançamento de um edital conjunto da FAPERJ, Instituto Serrapilheira e Parent in Science, que inicialmente previa R$ 2,3 milhões em apoio a 21 pesquisadoras, mas, diante da alta demanda, foi ampliado para R$ 6,2 milhões, beneficiando 98 pesquisadoras. As mães de crianças com deficiência puderam concorrer independentemente da idade dos filhos.