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Mariana e vazamento de óleo: duas tragédias se encontram em Abrolhos

Sedimentos da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, chegaram ao Arquipélago, que foi contaminado por manchas de óleo

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 nov 2019, 18h01 - Publicado em 5 nov 2019, 07h00
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  • Era 5 de novembro de 2015 quando o até então pior desastre socioambiental da história do país teve o seu marco zero. A barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, município de Minas Gerais, se rompeu e despejou 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos da extração de minério de ferro ao longo dos 700 quilômetros do Rio Doce até atingir a sua foz, no Espírito Santo. Ao longo desse percurso, dezenove pessoas morreram, mais de 300 famílias ficaram desabrigadas, 35 cidades foram afetadas e mais de 1.200 pescadores tiveram que se cadastrar para receber auxílio financeiro. Menos de cinco anos depois, outras duas tragédias — o desastre em Brumadinho, com mais de 200 mortes, e o vazamento de óleo no nordeste — mostraram como o episódio em Mariana foi apenas o primeiro de uma série de descasos.

    No improvável capítulo de um triste enredo sobre estrago após estrago, o derramamento de óleo, que vem contaminando praias ao longo dos 2.500 quilômetros do litoral nordestino nos últimos dois meses, se encontrou com os vestígios do desastre de Mariana. Pesquisadores identificaram contaminantes da lama da Samarco no Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no sul da Bahia, santuário que abriga a maior biodiversidade oceânica do Atlântico Sul. No último dia 2, o óleo que sujou as praias do nordeste chegou ao mesmo reduto paradisíaco. 

    Após o rompimento da barragem de Fundão, a onda de rejeitos da extração de minério de ferro da Samarco levou 17 dias para chegar à foz do Rio Doce, em Regência, no Espírito Santo. A pluma, o material mais denso, se espalhou pelo mar. Enquanto a parte mais pesada da composição do rejeito se incorporou ao sedimento marinho, outra fração se dissolveu na água. 

    Normalmente, o transporte de sedimentos acontece em direção ao sul, alinhado com as principais correntes marítimas e com o vento nordeste, que é o dominante. Parte do material seguiu um fluxo à deriva, para fora da costa, e seguiu em direção ao sul. Porém, o vaivém das marés fez com que outra porção seguisse na direção oposta. Esse movimento é conhecido como deriva costeira. Dessa forma, uma parte do material oriundo da foz do Rio Doce foi transportado ao norte, em direção aos recifes de Abrolhos.  

    Arte-Rejeito-Abrolhos-Oleo
    (Arte/VEJA)
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    Desde 2000, o grupo de pesquisa da Rede Abrolhos atua no monitoramento da saúde dos ecossistemas do Arquipélago. Nos últimos anos, cientistas comprovaram a presença de contaminantes provenientes da lama da Samarco. De acordo com o biólogo Rodrigo Leão de Moura, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos coordenadores da Rede, ainda não é possível saber qual será o impacto da contaminação. 

    “Sabemos que a água e os organismos têm a assinatura química do desastre de Mariana. Foi uma contaminação subletal, ou seja, não chegou a matar as espécies. Estamos acompanhando para entender como o sistema vai reagir a esse aumento de substâncias estranhas”, explicou o biólogo. De acordo com ele, muitas delas são tóxicas e outras são nutrientes em potencial, o que não é uma boa notícia. “Nutrientes na água podem causar uma série de desequilíbrios”, afirmou. 

    Segundo o oceanólogo e diretor-geral da Oceana Brasil, Ademilson Zamboni, políticas públicas para a proteção de zonas costeiras precisam ser implementadas. “Há unidades de conservação em áreas de mar aberto, onde a regeneração do ecossistema é maior. Contudo, na região costeira, onde as atividades do continente se encontram com o oceano, há pouca proteção”, explicou. “Em Abrolhos, estamos vendo a contaminação chegar por atividades que acontecem em terra, como no caso do rompimento da barragem, e por atividades no mar, com o vazamento de óleo”, afirmou.

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    Nas últimas semanas, Moura acompanhou a aproximação das manchas de óleo à área do Arquipélago. “Abrolhos está sob ataque por todos os lados. Não há como prever qual será o impacto do óleo na vida dos organismos. Podemos supor que a situação do ecossistema se agravará, mas teremos que acompanhar”, declarou. 

    Por mais que todos os locais afetados sejam importantes, Abrolhos abriga a maior biodiversidade e o maior banco de corais do Atlântico Sul. “São ecossistemas muito sensíveis e a chegada do óleo em alguns locais, como em estuários, é trágica. Alguns corais estão a mais de 40 quilômetros da costa e próximos à superfície. A aderência de manchas de óleo nessa estrutura recifal complexa será desastrosa, não terá como limpar”, afirmou.

    De acordo com o diretor-geral da Oceana, é imprescindível ter um plano de contingência ativo para a resolução de crises como a que o nordeste vive atualmente. “Quando se discute a prospecção de petróleo, é inevitável que a atividade, eventualmente, tenha algum problema. Contudo, há áreas que não aguentam esse impacto, como o Arquipélago de Abrolho”, declarou.

    Para Moura, a convergência entre as datas também é simbólica. “O marco do rompimento da barragem de Mariana está sendo lembrado com o abraço de plumas tóxicas exatamente em Abrolhos, o símbolo da conservação marinha, e às vésperas do leilão do pré-sal, na próxima quarta-feira. São muitos os sintomas de que há algo errado na área ambiental no Brasil”, declarou.

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