A ciência é extraordinária. Às vezes, você está trabalhando duro em cima de um tema e acaba descobrindo algo inteiramente diferente do que esperava. No meu caso, esbarrei com um cometa, o maior de todos já catalogado. Poderia dizer que foi pura sorte, mas estudei tanto que me coloquei na trilha da descoberta. O que estava realmente investigando eram objetos que na astrofísica chamamos de transnetunianos: em geral compostos de rochas e gelo, eles são deixados no espaço por Netuno quando o planeta fez o movimento de se afastar do Sol. A ideia do meu projeto é estudar propriedades do cosmos — e esses rastros netunianos são essenciais para entender a formação do sistema solar, bilhões de anos atrás. Meu ofício frequentemente me desespera. Envolve tentativa e erro, frustrações e não há promessa de resultado. O que me mantém firme e ativo é saber que estou contribuindo, em algum grau, para desvendar nada menos que o universo.
Minha pesquisa estava a toda, a ponto de os computadores que rodavam os dados ficarem sobrecarregados. Não parei no Natal de 2020 e nem no Ano-Novo. Foi extenuante. Mas eis que, de repente, aparece um objeto estranho em outra órbita: era o tal cometa. Como estava às voltas com a defesa do meu doutorado, confesso que nem consegui parar naquele momento para compreender melhor a descoberta. Mas registrei em minha tese: “Captei esse negócio inesperado aqui e a gente ainda precisa estudá-lo”. Fui surpreendido quando o cometa apareceu citado no banco de dados da União Astronômica Internacional. A comunidade científica enlouqueceu porque era um objeto muito esquisito, brilhante e distante, o que significava também que era muito grande. Meu celular tocava sem parar, e seu nome virou alvo de debate. Para asteroides, você pode escolher o que preferir, mas para os cometas há uma regra de nomenclatura em vigor desde o começo do século XX. E assim surgiu o C/2014 UN271, Bernardinelli-Bernstein, também em homenagem a meu orientador.
Ele tem 150 quilômetros de extensão. Antes dele, o maior já encontrado havia sido o Hale-Bopp, em 1995, com 60 quilômetros. Descobrir cometas distantes como esse é algo tecnicamente difícil. Só isso já é uma realização para um cientista. E há muito que saber ainda sobre ele, como o que explica sua atividade tão distante do Sol. Encontramos até agora apenas três cometas que registram distâncias maiores que 20 unidades astronômicas do Sol. Eles são objetos efêmeros, que passam pelo sistema solar e vão embora em pouquíssimo tempo. Com o Bernardinelli-Bernstein, temos cerca de vinte anos para estudá-lo, antes que fique longe demais e indetectável. É uma chance única na história da astronomia. Para mim, abriu as portas para novas colaborações e pesquisas, algo vital para um cientista.
A astronomia do século XXI se debruça sobre a equação de ter mais dados acumulados do que capacidade para explorá-los. Uma parte de meu trabalho é justamente desenvolver maneiras de entender esse gigante conjunto. E dá-lhe matemática e ciência da computação para navegar em meio a essa montanha de informações. Fiz graduação em física na USP e, por conselho do meu professor, pulei da faculdade para o doutorado nos Estados Unidos. Concluí a tese neste ano e já engatei um pós-doutorado na Universidade de Washington. Pesquisar é meu grande prazer. Sabemos que fazer ciência é caro e que o investimento de hoje traz resultado em vinte, trinta anos. Mas é uma aposta necessária. A tecnologia das câmeras modernas de smartphones, por exemplo, se valeu dos desenvolvimentos da astronomia. Esta é a maravilha da aventura científica: quando menos se espera, ela pode nos presentear com um cometa.
Pedro Bernardinelli em depoimento dado a Marina Lang
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769