Em dezembro de 2013, a Agência Espacial Europeia (ESA) lançou ao espaço a missão Gaia com o nobre objetivo de mapear a Via Láctea, nosso “bairro” no universo. O satélite, que se encontra hoje a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, foi projetado para medir as posições, distâncias e movimentos das estrelas com precisão jamais atingida. A coleta desses dados permitirá responder a relevantes questões relacionadas à origem, estrutura e evolução da galáxia. Os primeiros dois relatórios, de 2016 e 2018, foram reveladores sobre o imenso potencial dos equipamentos da sonda. O terceiro anúncio teve uma prévia em dezembro de 2020 e a outra parte liberada apenas agora, em razão da pandemia. O resultado extraordinário traz detalhes inéditos de quase 2 bilhões de estrelas vizinhas à Terra.
Além de criar o mais preciso e completo mapa multidimensional da Via Láctea, a sonda foi muito à frente do que se esperava dela. Com a forma de um chapéu de copa alta e abas largas, ela é equipada com dois potentes telescópios. Em sincronia com outros três instrumentos de medição, o equipamento conseguiu determinar a localização das estrelas e suas velocidades e dividir a luz que emana delas em um belo espectro multicolorido que proporciona análises mais precisas. A espaçonave gira lentamente, varrendo toda a esfera celeste e registrando repetidamente a posição de cada objeto. “Isso significa que, ao pesquisar todo o céu com bilhões de estrelas várias vezes, faremos descobertas que passariam em branco por outras missões”, diz Timo Prusti, cientista do projeto.
Os resultados da missão impressionam pelas minúcias. A Gaia mediu composições químicas, temperaturas, cores, massas, idades e a velocidade com que as estrelas se aproximam ou se afastam de nós, aqui na Terra. Como em um mapeamento genético, as informações podem ser usadas, por exemplo, para determinar quais delas nasceram em outra galáxia e depois migraram para a nossa vizinhança. “A Via Láctea é um belo caldeirão de estrelas”, afirma Alejandra Recio-Blanco, pesquisadora do Observatório da Côte d’Azur, na França. “Essa diversidade é extremamente importante, porque nos conta a história de sua formação.”
Entre as descobertas mais surpreendentes estão os terremotos estelares, fenômeno que nem estava no radar da missão. São como tsunamis em grande escala na superfície das estrelas, que fazem com que esses corpos alterem sua forma de modo irregular. Há também números espantosos: foram catalogados, até agora, 156 000 asteroides, 31 luas de outros planetas e milhões de estrelas. Foram descobertos, ainda, outros 5 500 sóis semelhantes ao nosso, além dos 100 já conhecidos.
Com encerramento previsto para o fim de 2025, a missão Gaia é apenas uma etapa de um trabalho perene. Prova disso é que o enorme catálogo compreende informações de apenas 1% das estrelas da Via Láctea — o suficiente para servir de base a 1 600 publicações científicas por ano. “É uma mina de ouro incrível para a astronomia”, disse a pesquisadora italiana Antonella Vallenari, que integra um consórcio de 450 cientistas e engenheiros que transformaram as medições coletadas pela sonda em dados utilizáveis. Quanto mais informações forem colhidas, mais a humanidade passeará em torno de uma indagação seminal e bonita: de onde viemos?
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797