Nasa quer agora descobrir o que há nas profundezas extremas dos oceanos
A ideia é explorar principalmente o que os oceanógrafos chamam de Zona Hadal, faixa marítima que começa a partir de 6 500 metros de profundidade
É seguro dizer que, desde o início da corrida espacial, em meados dos anos 1950, acumulamos mais conhecimento sobre o espaço e o cosmo do que sobre as profundezas dos oceanos. Até crianças sabem que Marte é um planeta vermelho, frio, árido e rochoso, que vem sendo explorado por pequenos veículos, os rovers, de vários países. O que se conhece sobre o fundo dos mares, porém, resume-se a 15% de sua vasta extensão. Por ambas as explorações estarem tão conectadas em seus objetivos de ir até onde nunca nenhum ser humano jamais pôs os pés, a agência espacial americana, a Nasa, decidiu mergulhar com ímpeto na aventura marinha. É um belo passo para a humanidade.
A ideia é explorar principalmente o que os oceanógrafos chamam de Zona Hadal, faixa marítima que começa a partir de 6 500 metros de profundidade. É o trecho do mar por onde se estende a Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico, um dos pontos mais fundos conhecidos, que chega a até inacreditáveis 11 quilômetros da superfície, no qual a pressão equivale a 1 tonelada por centímetro quadrado. Para percorrer esse território, os americanos estão desenvolvendo um veículo autônomo, o Orpheus. Os primeiros testes foram feitos em meados do ano passado. Ele pode trabalhar sem restrições em quase todos os lugares do oceano, incluindo as profundezas mais extremas. Espera-se que um pelotão desses robôs construa mapas 3D dessas vastas áreas inexploradas.
Na década de 70, cientistas da Dinamarca, Alemanha, Reino Unido e Japão encontraram microrganismos habitando essa região. A 8 000 metros de profundidade, foi achado um peixe de 15 centímetros, o Pseudoliparis swirei. O que mais há por lá? Áreas profundas representam uma grande fronteira para o conhecimento humano, especialmente quanto à biodiversidade. “Quase 40% das espécies recém-descobertas no mar profundo são novas”, diz Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. “O potencial para descobertas é enorme.”
Os organismos que vivem nesses ambientes extremos têm adaptações especiais para que possam se desenvolver. Os ecossistemas simulam tanto características da Terra no início da formação da vida quanto algumas condições inóspitas que podem ser encontradas em outros planetas. Trata-se de muita pressão e profundidade, frio, pouca luz e altas concentrações de compostos que normalmente não permitiriam a vida como a conhecemos, mas apenas a de organismos microscópicos. “Devemos olhar para a biologia do nosso planeta para entender a dos outros”, alerta Turra.
Recentemente, a Nasa completou um período de seis anos mapeando o derretimento de icebergs na Groenlândia com o intuito de monitorar o progresso da perda de gelo e do aquecimento global. Agora, a exploração dos oceanos terrenos vai permitir que a agência espacial adquira conhecimento para investigar, por exemplo, Europa, uma das luas de Júpiter, coberta por um gigantesco oceano de água salgada. As condições ambientais de lá são semelhantes àquelas encontradas na Zona Hadal. Além disso, os americanos poderão usar o aprendizado para estudar o gelo lunar em sua próxima missão ao satélite natural ainda neste ano.
A exploração dos oceanos é essencial para a documentação de aspectos do ecossistema marinho que podem ser usados em pesquisas futuras e em setores como a indústria alimentícia, energética e médica. Além disso, é importante para a preservação dos mares, para entender a mudança climática e fenômenos como terremotos e tsunamis, cada vez mais presentes nos noticiários. “A Nasa sozinha não fará todo esse serviço”, ressalta o especialista da USP. “É preciso haver cooperação internacional para cumprir o grande desafio que é o mapeamento da biodiversidade do fundo do mar antes que nós a extinguamos.” O Brasil tem especialistas na área, mas faltam recursos. Convém mergulhar nessa missão, investir em ciência e tecnologia e criar condições para que também possamos fazer parte da força-tarefa. Antes que seja tarde demais para o planeta.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775