Novas descobertas científicas revelam postos de destaque de mulheres na Antiguidade
Elas eram governantes, guerreiras e xamãs

Em 2008, em um sítio arqueológico próximo a Sevilha, na Espanha, uma equipe de escavadores encontrou um túmulo que parecia condensar toda a pompa e o prestígio de uma vida rara. Entre ossos preservados, repousava uma coleção de objetos impressionante: colares de pedras finas, lâminas trabalhadas, metais reluzentes — e, no centro da cena, uma presa de elefante, deslocada do coração da África até o extremo da Península Ibérica, há 5 000 anos. Diante de tamanha opulência, a conclusão soava inevitável: ali jazia um homem, líder de seu povo, talvez o mais poderoso de sua época. Foi batizado, sem maiores dúvidas, de Homem do Marfim.
Em 2021, aqueles restos mortais voltaram a ser examinados com técnicas científicas inovadoras. E então a narrativa ruiu: o personagem não era masculino, mas, sim, uma mulher, a agora chamada Dama do Marfim. A reclassificação, divulgada com estardalhaço e certeza, representa muito mais do que uma correção, é indício de louvável movimento: a arqueologia contemporânea desafia, em sucessivos anúncios, uma das mais antigas certezas da civilização: a de que o poder sempre esteve com eles, bravos e indestrutíveis provedores.

Não é assim, e bem-vindo ao mundo de força e relevância femininas. Durante muito tempo, interpretações arqueológicas se apoiaram em critérios frágeis para determinar o sexo de indivíduos enterrados. Esqueletos com objetos de prestígio eram automaticamente associados ao universo masculino. Essa prática consolidou uma narrativa em que autoridade, prestígio e guerra eram prerrogativas dos homens, enquanto às mulheres restava o espaço privado e secundário. Hoje, com análises de DNA preservado e proteínas do colágeno, a ciência revela um quadro diverso. “Muitas interpretações antigas foram feitas a partir do tamanho dos ossos”, diz Ximena Villagran, professora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. “É atalho para erros, porque um homem jovem pode ter dimensões semelhantes às de uma mulher adulta.”
Os exemplos se multiplicam. Em Birka, na Suécia, uma sepultura viking célebre desde o século XIX parecia conter todos os sinais de um guerreiro: espada, machado, lança, arco, flechas, dois cavalos. Mas testes genéticos revelaram que a figura era feminina. Mais a leste, nas estepes ucranianas, escavações de tumbas revelaram mulheres sepultadas com armas, tesouros e cavalos — prova de que as lendárias amazonas da mitologia grega talvez tenham existido. Na Sibéria, a chamada Donzela de Gelo, descoberta nas montanhas do Altai, foi sepultada com roupas bordadas e tatuagens elaboradas, em posição de destaque espiritual, sugerindo seu papel como xamã. E, nas Américas, túmulos de nove milênios atrás, acompanhados de pontas de lança e instrumentos de caça, indicam que mulheres também participaram da perseguição a grandes animais, desmontando o clichê da “coletora” submissa ao “homem caçador”.

A lista não se limita ao mundo pré-histórico. Hatshepsut, faraó do Egito no século XV a.C., assumiu a coroa com todos os símbolos do poder masculino, do cetro à barba postiça, e deixou monumentos colossais em seu nome. Na China antiga, a general Fu Hao, esposa do rei Wu Ding, comandou exércitos, participou de rituais religiosos e foi sepultada com centenas de armas de bronze. No século I d.C., a celta Boudica liderou o povo iceno em uma revolta contra as legiões romanas na Grã-Bretanha.
Cada uma delas parecia desafiar o destino reservado às mulheres em sociedades descritas como patriarcais. Mas a arqueologia contemporânea mostra que esses casos não foram isolados. “É difícil falar em exceções”, observa Ximena, da USP. “Cada região teve sua trajetória, e a arqueologia mostra que ainda há muito por descobrir sobre o papel das mulheres em diferentes sociedades.” A arqueologia feminista, que ganhou força nos anos 1980 e agora voa com firmeza, desafia a visão tradicional da divisão de trabalho, que ainda hoje ecoa, em postura machista e misógina. Recontar a história do passado pode ter o dom de reconstruir o presente. Cada novo achado, depois de sobejamente esmiuçado, transmite a mensagem necessária: o patriarcado, longe de ser uma regra imutável, foi apenas uma entre muitas formas possíveis de organizar o poder. Eis, portanto, um novo capítulo da revolução feminina.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958