Novos estudos iluminam a origem da mãe de todas as invenções
Quando foi criada a roda? Agora, uma nova teoria promete, enfim, conduzir à resposta de 1 milhão de dólares
Algumas perguntas fundamentais guiam a humanidade. “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”, eis duas indagações inescapáveis. Embora a origem ou o epílogo de cada um de nós seja ainda um fascinante mistério, é certo que, na travessia, em algum momento dependeremos de rodas para percorrer o caminho. Há milênios, a mãe de todas as invenções é celebrada como um dos maiores feitos do conhecimento e da inteligência da espécie, um marco do progresso social e econômico. Há, porém, uma página em branco na história: quando foi inventada a roda? Agora, uma nova teoria promete, enfim, conduzir à resposta de 1 milhão de dólares.
Uma hipótese de longa data indica que a primeira roda não era bem como a conhecemos, mas sim um disco de oleiro, usado para fazer cerâmica, criado na Mesopotâmia por volta de 4000 a.C. Outra tese sugere o norte da Turquia como provável berço da invenção. Recentemente, contudo, estudos apontam para as profundezas das montanhas dos Cárpatos, uma cordilheira de 1 500 quilômetros que se estende desde a República Tcheca até a Romênia. Nessa região remota, antigos mineradores de cobre teriam desenvolvido o artefato que faria nascer a civilização. As minas antigas teriam sido o ambiente perfeito para a invenção devido às limitações impostas pelos caminhos estreitos por onde o cobre deveria ser transportado.
Em artigo recém-publicado na revista Royal Society Open Science, uma equipe liderada por Richard Bulliet, professor da Universidade Columbia, fez simulações em computador, com apoio de inteligência artificial, para explorar os fatores ambientais que impulsionaram a evolução dos rolos — troncos sem galhos — para as primeiras rodas com eixo. A ideia foi lançada originalmente por Bulliet em 2016, no livro The Wheel: Inventions and Reinventions.
O pulo do gato, por assim dizer, do raciocínio: o desenvolvimento não foi fruto de uma invenção repentina, como um eureca, mas de um refinamento gradual moldado por desafios na lida com a natureza. Inicialmente, os mineradores criaram ranhuras nos rolos para evitar que as caixas de minério deslizassem. Em seguida, as extremidades foram sendo ampliadas, criando uma espécie de “protorroda” com um eixo central. Finalmente, rodas independentes foram fixadas nas pontas dos eixos, permitindo maior controle e mobilidade. Essa evolução teria acontecido ao longo de aproximadamente 500 anos.
A técnica de rolos, usada para mover objetos pesados, não era exclusiva dos mineiros dos Cárpatos, tendo sido empregada em várias civilizações, da Assíria à Fiji pré-colonial. Contudo, nas minas confinadas do Leste europeu, de solo irregular e extremamente coalhado de pedras, a tecnologia rudimentar apresentava muitas limitações. Os mineiros, portanto, inovaram ao imaginar métodos para aumentar a estabilidade. Não demoraria, é natural, para que o recurso se expandisse, conforme escavações de arqueólogos nos Cárpatos e a identificação de mais de 150 modelos de carroças em quatro rodas. Os artefatos são atribuídos à cultura Boleráz, que floresceu na região montanhosa durante a Idade do Cobre — e foi desse conjunto de descobertas que nasceu a atual conclusão.
A evolução nunca mais cessaria, com a instalação de raios, atalho para leveza e eficiência, e de máquinas a vapor que faziam girar os círculos, na gênese das locomotivas, no início do século XIX. E então brotariam materiais como ferro e borracha (veja no quadro), que permitiram velocidade e sobretudo segurança.
A beleza do trabalho da turma de Bulliet, que não chegou exatamente a inventar a roda: ela não foi criação de um período muito específico ou de indivíduos geniais, mas sim resultado de colaboração premida pelas necessidades do cotidiano. “Esse capítulo da história humana vai contra a crença popular de que as tecnologias surgem abruptamente da epifania de uma mente solitária”, diz Bulliet. Assim caminha a humanidade.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918