Novos telescópio e observatório inserem a astronomia em uma era de ouro
No fim de dezembro, a Nasa lançou ao espaço o telescópio James Webb e em 2023 entrará em operação o observatório Vera C. Rubin, no Chile
Acaba de chegar de Marte, ou esteve no mundo da Lua, quem aqui na Terra ficou alheio a Não Olhe para Cima, o megassucesso da Netflix — sátira impagável contra os negacionistas da ciência. Na contramão dessa turma cabe um único conselho: olhe para cima, literalmente. Nunca como agora os avanços da astronomia estiveram tão propensos a nos revelar segredos do céu, e 2022 começa com intenso brilho de duas novidades. No fim de dezembro, a Nasa lançou ao espaço o telescópio James Webb e em 2023 entrará em operação o observatório Vera C. Rubin, no Chile.
O nome de batismo, James Webb, é homenagem a um ex-diretor da agência espacial americana, um dos líderes da operação que culminaria com o pouso lunar em 1969. Trata-se de uma ferramenta construída para vasculhar pontos a 1,5 milhão de quilômetros de distância da Terra, na fronteira do universo observável. Resultado de uma colaboração entre profissionais americanos, canadenses e europeus, a um custo de 10 bilhões de dólares, o equipamento é cem vezes mais potente do que seu famoso antecessor, o Hubble. O James Webb também é muito maior: tem o tamanho de uma quadra de tênis (o Hubble era da dimensão de um ônibus). O resultado, fruto de sua imensidão: ele é capaz de coletar, com muito mais precisão, sete vezes mais luz, o que possibilita o reconhecimento de galáxias ainda desconhecidas. “Estar fora da atmosfera terrestre é uma diferença imensa em relação aos telescópios no solo”, diz Roberto da Costa, professor do departamento de astronomia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o especialista, a turbulência do ar, as variações de temperatura e as condições meteorológicas degradam a qualidade da imagem dos equipamentos fixos, terrenos.
O James Webb entrou em órbita com algumas metas principais. Uma delas é estudar exoplanetas, situados fora da Via Láctea. Atualmente, a humanidade conhece cerca de 4 000 deles, e acredita-se existir milhares de outros esperando para ser identificados — basta, claro, olhar para cima. O avanço nesse campo pode nos aproximar da pesquisa de hipotéticas vidas extraterrestres. E por que não? Outro ponto fascinante é o estudo das origens do universo. Hoje, só conseguimos ver a galáxia de Andrômeda porque enxergamos a luz que ela emitiu há cerca de 2,5 milhões de anos-luz da Terra, época em que apenas ancestrais antiquíssimos do Homo sapiens habitavam o planeta. Com a aproximação que o telescópio autorizará, essa análise será evidentemente impulsionada.
Mirar alto, como faz o James Webb ao dar um grande passo para a humanidade, é combustível para que iniciativas mais modestas também decolem — e, nesse aspecto, o Vera C. Rubin, referência à astrônoma americana pioneira no estudo das curvas de rotações das galáxias, tem lugar de honra. Seu objetivo: criar o mapa dos céus mais detalhado da história. O laboratório terá um telescópio equipado com uma câmera digital de 3 200 megapixels, a maior já construída para fins astronômicos, capaz de identificar uma bola de tênis a 25 quilômetros de distância. A ideia é que o Rubin faça uma imagem completa do firmamento no Hemisfério Sul a cada três noites, durante dez anos. Ao final desse período, teremos um filme ininterrupto do universo e de tudo o que se movimenta nessa porção celestial. Trata-se de uma janela preciosíssima, um presente para a civilização.
A partir de 2023, os dados coletados serão públicos. “E, então, o cidadão comum poderá ter uma versão digitalizada do universo em seus bolsos”, diz Mario Hamus, presidente da Fundação Chilena de Astronomia e vencedor do Prêmio Nacional de Ciências Exatas do Chile em 2015. “O observatório é uma mina de ouro para a sociedade e, a partir de suas capturas, poderemos fazer inúmeras descobertas nos próximos anos, sem nem mesmo sair de casa.” Não é pouca coisa, e premia uma aventura humana inigualável.
A admiração do homem pelos céus é antiga. Quem nunca quis saber se estamos sozinhos no universo? Se há outros planetas de potencial interesse que ainda não conhecemos? Ou se o universo como o conhecemos hoje terá um fim? São perguntas sem respostas ainda, e apenas ter a chance de fazê-las, ancoradas em joias tecnológicas como o James Webb e o Vera C. Rubin, já é espetacular. Como disse Carl Sagan (1934-1966), o mais conhecido divulgador da astronomia: “Em algum lugar, algo incrível está esperando para ser descoberto”.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772