O judeu oculto: a polêmica sobre a verdadeira origem de Cristóvão Colombo
Ao afirmar que ele não seria italiano de Gênova, mas espanhol sefardita, cientista devolve explorador à controvérsia por ter servido a reis católicos
Em 3 de agosto de 1492, três dias depois do ultimato à comunidade judaica da Espanha para se converter ao cristianismo ou deixar o país, três caravelas — a Pinta, a Nina e a Santa Maria — zarparam do porto de Palos. Tinham como destino os mercados de especiarias na Ásia, mas acabaram acidentalmente aportando no Novo Mundo. O resto é história, sempre sujeita a reviravoltas. E dá-lhe mais uma. Exatos 532 anos após a chegada de Cristóvão Colombo às Américas, a aventura ganhou camadas inusitadas e ruidosas.
O documentário O DNA de Colombo: Sua Verdadeira Origem, recentemente exibido na TV espanhola, afirma que o comandante da célebre expedição era também parte da comunidade judaica expulsa do país. Em ironia barulhenta, ao avesso da trivialidade, o personagem central na formação do grande império espanhol faria parte do mesmo grupo que seus patronos, os monarcas Fernando de Aragão e Isabel de Castela, baniram do reino em meio a alegações de cunho antissemita e de agressiva intolerância religiosa.
O estudo conduzido por José Antonio Lorente, médico forense da Universidade de Granada, confirmou que os ossos guardados em um túmulo na Catedral de Sevilha pertencem, de fato, a Colombo. Embora o navegador tenha morrido em Valladolid, em 1506, seus restos mortais foram levados primeiro para Cuba, em 1795, e posteriormente para Sevilha, em 1898, depois de a Espanha perder o controle da ilha na Guerra Hispano-Americana. Houve, claro, especulações de que o corpo sepultado pudesse não ser o do explorador.
Ao longo dos séculos, surgiram teorias indicando que Colombo poderia ter sido basco, catalão, grego, português ou até escandinavo. Ao menos 25 países reivindicam o navegador como um de seus cidadãos. Os genoveses, até agora, foram os mais bem-sucedidos. Lorente, por sua vez, afirma que o explorador nasceu na Europa Ocidental, possivelmente na cidade de Valência, e em uma família de judeus sefarditas. “Temos DNA muito parcial, mas suficiente, de Cristóvão Colombo”, disse o pesquisador no documentário. “Temos registros genéticos de seu filho Fernando Colombo, e tanto no cromossomo Y (do pai) quanto no mitocondrial (transmitido pela mãe) de Fernando há traços compatíveis com uma origem judaica.”
Não é, ressalve-se, a primeira vez que o desbravador é apresentado como judeu. Em 1972, o escritor de origem judaica Simon Wiesenthal o retratou como um navegador que buscava encontrar as tribos perdidas de Israel no livro Velas da Esperança. Escritos do próprio Colombo, por outro lado, mostram uma identidade profundamente cristã, enraizada na crença de que suas viagens eram preditas pelas Escrituras. “O que Jesus Cristo nosso redentor disse pela boca de seus santos profetas veio a ser”, escreveu sobre sua chegada às Américas no Livro das Profecias.
Para chegar à origem sefardita de Colombo, Lorente conduziu testes de ancestralidade genética, em que é possível associar o DNA a grupos diversos. Quando um grupo é muito coeso e fechado, com regras rígidas sobre com quem seus membros se relacionam e procriam, ocorre um isolamento genético. Ao longo de centenas ou até milhares de anos, essas populações restritas acumulam diferenças que podem ser mapeadas em seus genomas, mas isso não permite dizer se o indivíduo assumia ou não uma identidade religiosa. “Por si só, o DNA antigo não é suficiente para contar uma história completa” diz Tiago Ferraz, doutor em arqueogenética pela USP. “O dado genético funciona como mais uma perspectiva, assim como a arqueologia, a antropologia e a história.”
Além disso, pesquisadores criticaram o fato de os resultados apresentados não terem sido publicados em um periódico científico (Lorente assegura que isso acontecerá em novembro). Até segunda ordem, do ponto de vista acadêmico, um dos maiores personagens da história moderna continua sendo genovês e católico. A suposta ascendência judaica, porém, é fascinante demais para ser apartada.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916