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O passado de todos nós

A descoberta de 53 espécies que povoaram os oceanos há milhões de anos ajuda a jogar luz sobre o maior dos mistérios: o surgimento dos seres vivos

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 15h34 - Publicado em 22 mar 2019, 07h00

Um artigo publicado na mais recente edição da revista americana Science traz uma notícia extraordinária. Um grupo de pesquisadores chineses encontrou fósseis preservados em rochas ao longo das margens do Rio Danshui, no norte de Taiwan. Ao todo, eles descobriram 4 000 restos de animais de 100 espécies petrificadas pelo tempo. Destas, 53 nunca haviam sido catalogadas, entre elas um tipo de molusco e muitos artrópodes, ramo de classificação ao qual pertencem os insetos e os crustáceos. Entre as maravilhas encontradas, estão alguns espécimes de cordados, representados por seres de espinha dorsal, nos quais se encaixam os seres humanos. Considerando-se o que se descobriu até hoje, eles eram raríssimos durante o período Cambriano, compreendido entre 542 milhões e 488 milhões de anos atrás. O tesouro que agora vem à tona é uma valiosa ajuda para iluminar um mistério que nos perturba desde sempre: como e por que os seres vivos se multiplicaram tanto no Cambriano?

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No período Cambriano — que, em latim, quer dizer “Câmbria”, antigo nome do País de Gales, numa referência ao local onde foram encontrados, no século XIX, os primeiros fósseis que deram pistas sobre aquela fase tão longínqua —, a temperatura média era 7 graus acima da atual, havia quatro continentes estéreis e a superfície do globo era quase inteiramente coberta por água. Houve, naquele período, uma eclosão espetacular de vida, a chamada Explosão Cambriana. Aconteceu nos oceanos algo misterioso que levou a uma imensa diversificação das plantas e dos seres aquáticos e ao aparecimento de mais de trinta ramos de animais, como os artrópodes. Toda a vida que existe, inclusive a humana, tem raiz naquela explosão. Contudo, quase nada se descobriu sobre o Cambriano além desses poucos dados.

Para montarem o quebra-cabeça daquele período em que os enigmas ainda superam as respostas, os cientistas se apoiam em fósseis preservados em rochas. O precioso sítio arqueológico das descobertas de agora, denominado Qingjiang, demandou escavações de até 10 metros de profundidade para que fosse possível recuperar os vestígios orgânicos que podem ajudar a contar a história daquela fase. Disse a VEJA o geólogo chinês Xingliang Zhang, líder da expedição e professor da Northwest University, nos Estados Unidos: “A região nos fornece indícios inéditos que certamente nos levarão a repensar como foi a Terra. Acredito que são os fósseis mais antigos já encontrados do Cambriano”. Estima-se que os itens revelados tenham mais de 500 milhões de anos.

Fósseis
FÓSSEIS - Arqueólogos chineses encontraram 4 000 resquícios orgânicos, em escavações às margens do Rio Danshui, com estimados 500 milhões de anos (//Reprodução)
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“A Explosão Cambriana é um evento de enorme importância para a vida terrestre. Ao que tudo indica, foi quando apareceram os organismos que serviram de base para quaisquer animais que hoje habitam o planeta”, explica a paleontóloga canadense Allison Daley, da Universidade de Lausanne, na Suíça, autora de outro artigo da Science, que analisa a descoberta. “Quanto melhor compreendermos o que ocorreu para a disseminação de animais e plantas daqueles tempos, melhor entenderemos a biodiversidade da Terra e o processo evolutivo que chegou a ela”, conclui a paleontóloga, em entrevista a VEJA.

Entre as hipóteses científicas para explicar o que deflagrou a Explosão Cambriana está a possibilidade de uma transformação crucial na composição química dos mares. Se os motivos que possibilitaram o fenômeno forem elucidados, acredita-se que a humanidade estará mais perto de responder à mais intrigante das perguntas: “Afinal, o que originou a vida?”. Os fósseis do Cambriano ainda vão fornecer muitas respostas, mas já são prova cada vez mais irrefutável e contundente de que os antepassados de todos os animais, inclusive do Homo sapiens, viviam nesse período tão distante, que desafia a própria imaginação humana.

Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

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