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‘O que eu tive foi paciência’, diz a etóloga britânica Jane Goodall

Em depoimento a VEJA, a naturalista de 89 anos conta como começou a se interessar por chimpanzés e se engajar no ativismo ambiental

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 nov 2023, 08h00

“O interesse pelos animais sempre fez parte da minha vida. Quando era pequena, tinha um ano e meio, por aí, minha mãe entrou no meu quarto e encontrou várias minhocas de terra em cima da cama. Já não lembro bem, mas ela contava que eu estava me perguntando como conseguiam andar sem pernas. Ela não ficou brava comigo, mas me explicou que não poderiam continuar lá porque morreriam. Eu chorei. Chorei, mas concordei que seria melhor tirar os bichinhos da cama. Em um outro episódio, minha curiosidade me fez passar quatro horas no galinheiro esperando para descobrir aonde, nas aves, ficava o buraco grande o suficiente para deixar sair um ovo. Esse interesse já estava lá, é o que pude perceber. Mas aí entraram os livros. As Viagens do Doutor Dolittle é a história de um homem que resgata os animais do circo e os leva de volta para a África. Foi a primeira vez que me interessei pela África. Depois eu li Tarzan, O Filho da Selva, o que me fez ficar ainda mais encantada pelo continente – e pelo que viria a fazer como profissão.

“Mas uma menina? Foi o que me disseram quando decidi sair para a natureza e estudar os animais. Sim, uma menina. Tive uma mãe maravilhosa, que me orientou a perseguir o sonho e não desistir. Para ser sincera, como comecei a lidar com chipanzés desde muito cedo, e estava sempre em cena, não encontrei muita hostilidade científica por parte dos homens. Eles diziam: ‘nossa, isso é estranho’, e não muito mais. Além disso, eu não estava numa área muito competitiva na época. Não havia muitos profissionais estudando chimpanzés na Tanzânia. Mas hoje sei e percebo existir discriminação contra as mulheres cientistas. A mensagem que posso transmitir: tente não ficar muito chateada com isso. Faça o que puder e prove que você é tão boa ou melhor do que os homens que estão fazendo a mesma coisa. Mas sem agressividade.

“Eu tive a sorte de ter uma família que deu apoio – e apoio prático. Numa de minhas primeiras investidas, os chimpanzés fugiam, desapareciam na floresta, certamente porque nunca tinham visto nada parecido comigo antes. Foi impressionante. Como não tinha permissão das autoridades britânicas para ir sozinha, minha mãe ficou comigo. Levantou minha moral e, em certo momento, apontou para o pico de onde eu poderia observar os chimpanzés, seus ninhos, seus grupos sociais, os alimentos que comem. Para mim era só um pico, mas para os turistas até hoje é o pico da Jane. Não era fácil, o cotidiano. Eu só tinha dinheiro para seis meses. Quatro deles se passaram, e nada, o trabalho não andava. Até que um dos chimpanzés, graças a Deus, começou a perder o medo e me permitiu observá-lo caçando cupins. Eu não aprendi, exatamente, a me comunicar com eles, mas a entender como eles se comunicavam. Os humanos ocidentais não sabem fazer isso, mas se você olhar para os pigmeus, na África, eles entendem os chimpanzés, os gorilas, tudo o que vive na floresta. E como pude chegar a essa conclusão? Com paciência. O que eu tive foi paciência.

“E com paciência, alcancei a única maneira de mudar as pessoas: encontrar uma história que as toque em seus corações. Foi dessa maneira que me tornei uma ativista pelos animais e pelo meio ambiente. Do lado positivo, desde que comecei minha atuação, mais pessoas estão conscientes e têm muitos jovens agora na natureza, aprendendo sobre diferentes animais e seus comportamentos. Por outro lado, muitas florestas foram derrubadas, espécies foram extintas e animais estão em perigo. Estamos destruindo o futuro e precisamos nos lembrar sempre de que humanos não são isentos da extinção. Mas há grupos de pessoas em todo o mundo no bom caminho. A atitude dessa gente é que nos autoriza a ter esperança.”

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