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O que explica o fascínio moderno por ressuscitar o mamute-lanoso?

Mais do que um fóssil da Era do Gelo, o animal se transformou em símbolo da biotecnologia moderna e das narrativas humanas sobre extinção e mudança climática

Por Rebecca Woods*, para The Conversation
10 jul 2025, 17h30

Nos últimos meses, a desextinção — trazer de volta espécies extintas recriando-as, ou criando organismos que se assemelham a elas — passou de ficção científica para fato científico. A Colossal Biosciences — uma startup americana com fins lucrativos liderada pelos geneticistas George Church e Beth Shapiro — anunciou duas conquistas importantes quase simultâneas.

Na primeira, os cientistas inseriram parte do genoma do mamute-lanoso em camundongos para criar “camundongos-lanosos”, roedores incrivelmente fofos, parecidos com pompons, com pelagem que expressa os genes dos há muito tempo extintos mamutes-lanosos.

Apenas algumas semanas depois, a Colossal anunciou uma conquista ainda maior, alegando ter trazido de volta o “lobo-terrível” (dire wolf), um contemporâneo do mamute-lanoso que, como seus companheiros de viagem proboscídeos da Era Glacial, vagou pela Terra pela última vez há cerca de 10.000 anos.

Popularidade gigantesca

Os mamutes-lanosos estão na vanguarda desses esforços controversos de desextinção. Apesar de uma longa lista de espécies extintas mais recentemente — o dodô, o moa, os pombos-passageiros, o bucardo, o quagga, o tilacino, o auroque e uma série de outras — prontamente disponíveis para assumir o centro das atenções nos esforços de desextinção, os mamutes-lanosos figuram com destaque nas histórias sobre desextinção, tanto científicas quanto populares.

Os mamutes-lanosos tiveram destaque nas imagens da Revive & Restore, um conglomerado de cientistas e futuristas liderado pelo guru da tecnologia Steward Brand; em 2021, a Colossal “estabeleceu a propriedade” sobre o renascimento do mamute-lanoso. O próprio logotipo da Colossal visualiza o CRISPR, a tecnologia de splicing gênico que facilita a desextinção, e as presas em espiral características do Mammuthus primigenius.

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Na cultura popular, os mamutes-lanosos têm sido uma fonte de fascínio nos últimos séculos. Thomas Jefferson era conhecido por manter a esperança de que mamutes vivos fossem encontrados além da fronteira do colonialismo americano no final do século XVIII, enquanto as primeiras escavações de mastodontes americanos foram eventos importantes no início do século XIX. O pintor americano Charles Willson Peale capturou a primeira escavação desse tipo em óleos e, mais tarde, capitalizou o esqueleto desse mastodonte em seu museu na Filadélfia.

Mais recentemente, Manny, o mamute apareceu na franquia de filmes de animação “A Era do Gelo, lançada pela primeira vez em 2002.

Ícones climáticos

Ao mesmo tempo, os mamutes-lanosos também se tornaram um emblema da crise climática contemporânea. Durante a recente onda de vandalismo de obras de arte famosas com o objetivo de chamar a atenção para a crise climática, ativistas ambientais pintaram de rosa choque as presas (felizmente artificiais) de um modelo de mamute-lanoso do Royal B.C. Museum.

Em uma ação publicitária em 2023, a startup australiana de carne cultivada Vow revelou uma almôndega de mamute produzida a partir do genoma do mamute-lanoso com DNA de ovelha como complemento. Não colocada à venda, a almôndega de mamute foi queimada diante do público no museu de ciências holandês Nemo.

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A ação tinha como objetivo chamar a atenção, mais uma vez, para a situação crítica do clima da Terra, a insustentabilidade dos sistemas alimentares industrializados e o potencial da carne cultivada em laboratório para resolver esse dilema específico .

Animais modelo

Para uma criatura que nenhum ser humano jamais viu ao vivo e em carne e osso, os mamutes-lanosos certamente recebem muita exposição na mídia. Como essa espécie extinta há muito tempo se tornou o emblema da extinção e da desextinção contemporâneas?

As pessoas interagem com os restos mortais de mamutes-lanosos há centenas de anos. Cave um buraco profundo o suficiente em quase qualquer lugar do Hemisfério Norte e você provavelmente encontrará ossos ou talvez presas de mamutes ou mastodontes extintos.

No início da Europa moderna, os fósseis de mamutes eram famosos por serem interpretados como ossos de unicórnios e gigantes antes de serem reconhecidos como pertencentes a criaturas semelhantes a elefantes por volta de 1700. Somente por volta de 1800 os mamutes foram reconhecidos como uma espécie distinta e extinta de proboscídeos.

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Em outras regiões do Ártico, especialmente na Sibéria, os povos indígenas estavam familiarizados com os restos mortais de mamutes preservados pelo permafrost. À medida que os rios e seus afluentes cresciam durante o degelo anual, carcaças inteiras de mamutes (e rinocerontes lanosos) às vezes eram expostas.

Os povos locais que se deparavam com esses restos de animais aparentemente mortos recentemente, mas pertencentes a criaturas que nunca viram caminhando pela superfície da Terra, supunham que eram grandes animais semelhantes a roedores que cavavam túneis no solo e morriam se acidentalmente entrassem em contato com a atmosfera.

Ao redor do Ártico, incluindo no Alasca, o permafrost impediu a fossilização das presas e dos corpos dos mamutes, e esse marfim de gelo era — e continua sendo — um elemento importante das economias do Ártico, esculpido localmente e comercializado em mercados historicamente regionais e, agora, globais.

Relevância contínua

Apesar de sua associação com um passado distante, os mamutes-lanosos há muito tempo ressoam nas culturas humanas modernas, pois suas partes corporais fossilizadas ou preservadas entraram nas práticas econômicas e nos sistemas de conhecimento. Mas, com a extinção de espécies outrora numerosas, como o pombo-passageiro, o bisão americano e o elefante africano começou a pairar sobre o final do século XIX, os mamutes-lanosos assumiram novos significados no contexto da extinção moderna e das compreensões emergentes sobre a evolução humana.

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Revoluções na geologia, arqueologia, paleontologia e disciplinas relacionadas estavam mudando suposições de longa data sobre a origem da humanidade.

Narrativas sobre a ascensão do “homem caçador” surgiram em instituições de história natural, como o Museu Americano de História Natural e o Museu Field, em Chicago. Essas histórias de origem estavam explicitamente ligadas à suposta extinção dos mamutes-lanosos e seus parentes evolutivos, os mastodontes.

Isso levou a algumas das expressões mais poderosas dos mamutes na forma visual, como os afrescos e pinturas produzidos pelo renomado paleoartista Charles R. Knight.

Ao mesmo tempo, pinturas rupestres na França, Espanha e outros lugares vieram à tona no início do século XX. Por exemplo, os afrescos de 40.000 anos em Rouffignac, França que retratam claramente mamutes-lanosos foram interpretados como mais uma evidência dessa conexão histórica profunda e poderosa.

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É essa conexão — a associação do surgimento da Humanidade moderna com o declínio e a extinção do mamute-lanoso — que alimenta o fascínio contínuo dos dias de hoje. As noções de cumplicidade humana nas histórias de extinção estão há muito tempo incorporadas na compreensão científica moderna dos mamutes-lanosos. Não é por acaso que os mamutes-lanosos são tão centrais nos projetos de desextinção e no ativismo climático.

Rebecca Woods*, professora associada no Instituto de História e Filosofia da Ciência e da Tecnologia da Universidade de Toronto.

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