Os primeiros resultados de pesquisa que pode explicar a origem da vida na Terra
Análise tomou como base fragmentos retirados de asteroide
Em 8 de setembro de 2016, a Nasa lançou ao espaço uma das missões mais fantásticas de sua história. Naquela data, a agência espacial americana enviou uma sonda até Bennu, pequeno asteroide com nome de divindade egípcia e rico em carbono, para recolher amostras do corpo celeste. A ideia era ambiciosa, e o movimento, ousado: viajar 4 bilhões de quilômetros para resgatar pouco menos de 200 gramas de material rochoso. Após orbitar Bennu por quase dois anos, a cápsula pousou em uma cratera localizada na região norte da rocha, coletou amostras e partiu em uma viagem de cinquenta meses de volta à Terra. Chamada de OSIRIS-REx, a missão foi concluída em 24 setembro de 2023, quando a sonda retornou ao ponto de origem. Os fragmentos, então, foram analisados pelos cientistas, que acabam de publicar as primeiras — e surpreendentes — conclusões no periódico especializado Meteoritics & Planetary Science.
Os pesquisadores identificaram no material uma quantidade significativa de minerais cuja formação dependia da presença de água. Entre eles, estão grãos de fosfato de magnésio-sódico, composto que também foi visto em amostras do asteroide Ryugu, visitado em 2020 pela sonda japonesa Hayabusa 2. Os achados revelam que, no passado, essas rochas podem ter feito parte de um planeta muito maior ou no qual havia grandes oceanos cobrindo a superfície. “O material de Bennu contém a chave para desvendar os complexos processos de formação do sistema solar e a química prebiótica que contribuiu para o surgimento da vida na Terra”, afirmou Dante Lauretta, coordenador da pesquisa e professor da Universidade do Arizona, uma das instituições habilitadas a fazer a análise do rico material nos Estados Unidos.
Bennu não é uma rocha sólida, mas um aglomerado de detritos mantidos juntos pela gravidade. Sua estrutura o torna mais poroso e potencialmente instável, um corpo celeste que ejeta partículas no espaço. Esse fenômeno, combinado com a sua estrutura frouxa, transformou a realização da missão americana em um feito extraordinário. “Nosso planeta passou por diversas modificações ao longo do tempo”, diz o astrobiólogo Fabio Rodrigues, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). “Mas os asteroides não mudaram muito desde o seu surgimento, há 4,5 bilhões de anos, no início do universo. Por isso, eles são os verdadeiros guardiões da história de nosso sistema solar.”
Os fragmentos contêm ainda compostos orgânicos, os blocos de construção da vida, o que alimenta a especulação sobre o potencial dos asteroides no fornecimento de material que explicaria a origem da existência na Terra. “Bennu foi o alvo perfeito, e esses primeiros resultados trazem mais uma evidência de que os elementos essenciais para a vida, especialmente água e compostos orgânicos, mas também nitrogênio, fósforo e enxofre, podem mesmo ter tido origem nesses corpos extraterrestres”, afirma o astrofísico Enos Picazzio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.
O estudo sugere outras fascinantes implicações. Se os ingredientes necessários para a vida tal qual a conhecemos estão viajando universo afora e são tão comuns quanto as últimas missões têm demonstrado, talvez a descoberta de organismos parecidos com os que prosperaram na Terra seja apenas uma questão de tempo. A boa notícia é que as investigações continuarão a mover a ciência, com papel preponderante da Nasa. Renomeada OSIRIS-APEX, a sonda espacial agora será direcionada para estudar o asteroide Apophis, mais distante e, supõe-se, mais conservado, que deverá se aproximar da Terra em 2029. Se tudo der certo, a cápsula trará ainda mais revelações sobre a evolução de nosso sistema solar e, quem sabe, sobre os mistérios da origem da vida.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903