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Pesquisadores mostram que até rock pesado pode ter efeito terapêutico

Tudo depende do tipo de ouvinte

Por Flávio Monteiro e Júlia Sofia
23 nov 2025, 08h00

Conhecido pelo teorema que leva o seu nome, aquele de que todo aluno em algum ponto da vida já ouviu falar, Pitágoras era um sensível ouvinte de música, na qual observava padrões tal qual na matemática. “Há geometria no zumbido das cordas”, dizia no século VI a.C., bem antes do advento das partituras modernas. Como muitos de seus colegas de Grécia Antiga, ele vivia de filosofar e enxergava no universo uma sinfonia ordenada que muito poderia contribuir para o bem-estar. Antigos relatos mostram que chegava a recomendar a seus discípulos canções com propósito terapêutico, para aliviar males como tristeza, raiva e ansiedade. Havia curiosas especificidades: as melodias da manhã deveriam servir para “despertar o espírito”, enquanto as noturnas se prestariam a “serenar a mente”.

A humanidade foi caminhando desde então embalada por variados ritmos convertidos em pura arte e feitos para agradar distintos ouvidos — e o conhecimento sobre seus benefícios só fez se aprofundar, agora respaldado na neurociência, capaz de observar os concretos ganhos à saúde de uma boa trilha sonora.

VISÃO DE FUTURO - Pitágoras: ele trouxe o tema à roda na Antiguidade
VISÃO DE FUTURO - Pitágoras: ele trouxe o tema à roda na Antiguidade (Hulton Archive/Getty Images)

Nas últimas décadas, um dos notáveis avanços nesta área foi a descoberta de que a música pode aliviar a dor ao ativar circuitos presentes na região do cérebro ligada à sensação de recompensa e prazer, estimulando a liberação de substâncias produtoras de um efeito anestésico. Acreditou-se, por muito tempo, que apenas sons mais delicados tinham esse poder. Agora, a ciência deu um relevante passo ao constatar que isso está longe de ser verdade absoluta. Para cada indivíduo, há um ritmo mais indicado para suavizar incômodos físicos. A conclusão veio de um vastamente comentado estudo da Universidade McGill, no Canadá, que revelou que tanto o rock como o samba ou uma obra de Bach tendem a atenuar a dor, a depender da pessoa que absorve o som. “Quando a música se encaixa no ritmo natural do ouvinte, seu impacto na redução da dor amplifica”, explica Mathieu Roy, autor do estudo.

A aventura científica, até chegar a tal conclusão, envolveu um experimento em que dezenas de voluntários eram expostos a calor extremo, de forma a causar forte aflição física, escutando canções inteiramente diferentes entre si. Ficou claro aí que a dor diminuía sempre que a batida se ajustava ao ritmo individual, definido por um conjunto de fatores — temperatura, batimentos cardíacos e cadência da respiração. A esse medidor há tempos usado pela medicina dá-se o nome de “taxa de produção espontânea”, também chamada de TPE, que funciona como uma assinatura biológica. “Quando a música acompanha nosso ritmo natural interno, ocorre uma sincronia neurológica: o corpo, o som e a mente passam a agir em um único compasso”, afirma o neurologista Rubem Regoto. Esse tão orquestrado cenário se potencializa quando movimentos de braços e pernas acompanham a trilha. “É como se o som reprogramasse a experiência da dor”, resume Regoto. Os especialistas já indicam certos hits, de acordo com o índice TPE. Se a música não é adequada a ele, sustenta a pesquisa, não se percebe a anestesia.

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TEMPO REAL - Cirurgia no cérebro: enquanto a paciente toca violino, a equipe decifra a mente
TEMPO REAL - Cirurgia no cérebro: enquanto a paciente toca violino, a equipe decifra a mente (King's College Hospital/AFP)

Outro degrau escalado nesta rica área do conhecimento é a confirmação do que se intuía: o vínculo afetivo com uma canção faz elevar as chances de alívio das dores. As mesmas áreas do cérebro associadas ao prazer, como o núcleo accumbens e o córtex cingulado anterior, entram em alta atividade diante de um som que reaviva boas lembranças, liberando dopamina e opioides endógenos — semelhante ao caldeirão de neurotransmissores que fervilha quando alguém se apaixona, por exemplo. Um recente trabalho da Universidade Erasmus, na Holanda, foi mais fundo e constatou o fenômeno a partir de detalhada observação de pacientes em hospitais. “Quando a playlist é escolhida pelo paciente, há maiores ganhos na diminuição da dor”, disse a VEJA a neurocientista Emy van der Valk, à frente do estudo. Uma pesquisa que enveredou por linha parecida, conduzida por especialistas da Universidade de Minnesota, que fizeram sua investigação em UTIs, deu os números: os internados que haviam indicado o que queriam ouvir ao leito apresentaram 19% menos ansiedade e baixaram os sedativos em 37%.

A música também se faz útil no combate à dor por tão somente desviar a atenção dela, algo que os pioneiros nesta seara já haviam apontado. Nos anos 1960, o neurologista britânico Oliver Sacks começou a estudar como as melodias alteravam a química cerebral, como um fio invisível que, ao contribuir para a reconexão de neurônios, ajudava a devolver os movimentos aos que sofriam da doença de Parkinson e a fala a vítimas de AVC. Novas terapias tiveram suas descobertas como origem e são hoje comuns em hospitais. Como a roda da ciência felizmente não para, a música tem sido valiosa ferramenta para extrapolar o saber sobre as engrenagens do cérebro — como se viu recentemente no caso da violinista inglesa Dagmar Turner, que, ao ser operada de um tumor na cabeça, produziu a pungente cena de seguir acordada em meio à cirurgia tocando o seu instrumento. Com a mente examinada em tempo real, a equipe médica sabia exatamente quais partes deveriam ser preservadas para não comprometer nenhuma função vital. “A música tem um poder fascinante sobre o cérebro”, resume Rubem Regoto. E pode ser consumida à vontade, sem qualquer contraindicação.

Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971

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