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Pinturas rupestres de 12 000 anos são descobertas na Amazônia colombiana

As artes encontradas em paredões oferecem novas informações sobre os primeiros habitantes do continente

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h16 - Publicado em 22 jan 2021, 06h00
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  • Uma imensidão de pinturas avermelhadas encravadas na Floresta Amazônica está maravilhando ar­queó­logos e fornecendo evidências da ocupação do continente sul-americano muito antes da chegada dos europeus, no fim do século XV, e antes mesmo do advento das civilizações pré-históricas andinas. É consenso entre pesquisadores que o berço da humanidade é a África e que dali o Homo sapiens se espalhou pelo planeta — as divergências se dão quanto ao período em que isso teria acontecido: entre 130 000 e 50 000 anos atrás. Estima-­se que as primeiras comunidades tenham chegado à América do Sul há cerca de 20 000 anos, instalando-se no território amazônico que atualmente compreende nove países. Na época, ainda na chamada Era do Gelo, quando mantos glaciais cobriam a América do Norte e a Eurásia, o que hoje é uma descomunal floresta tropical ao sul do Equador assemelhava-se a uma savana, com a presença de enormes animais. As mais recentes descobertas arqueológicas desse período estão na Amazônia colombiana, mais precisamente na região de Serranía de La Lindosa, a 400 quilômetros da capital, Bogotá, em um sítio arqueo­lógico chamado Cerro Azul.

    A atual Colômbia foi a provável porta de entrada dos povos que migraram da América Central rumo ao sul. Em La Lindosa, pesquisadores encontraram colinas rochosas, de quase 13 quilômetros de extensão, cobertas com imagens de homens e animais feitas de terracota, material avermelhado oriundo da argila. De tão fascinante, o paredão foi batizado, com certo exagero, de “Capela Sistina da Antiguidade”, em referência aos afrescos de Michelangelo no Vaticano. Os artistas da época, no entanto, eram caçadores de animais como aqueles retratados nas pedras. Além de peixes, tartarugas, lagartos, morcegos e aves, notam-se representações detalhadas do mastodonte — um parente pré-histórico do elefante —, preguiças gigantes e equinos ancestrais, todos eles extintos há milênios. Não há como fazer datação dos paredões por carbono 14 (método apropriado a materiais orgânicos), mas sabe-se que esses animais desapareceram mais de 12 000 anos atrás. Este fato, associado aos materiais orgânicos remanescentes do período, como coquinhos de palmeiras encontrados no local — datáveis por carbono 14 —, levou os arqueólogos a estimar que as pinturas tenham impressionantes 12 500 anos de existência.

    O uruguaio José Iriarte, professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra, e um dos líderes do estudo, compara as descobertas de La Lindosa aos tesouros da Serra da Capivara, no Piauí, declarada patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991. “São paredões incríveis, semelhantes aos do Brasil em extensão e quantidade de pinturas, e talvez até mais belos”, disse Iriarte a VEJA. Os painéis, como o encontrado agora, têm mais de 10 metros de altura e nichos alcançáveis apenas por meio de drones — os pintores pré-históricos devem ter usado andaimes rudimentares para atingir o topo. Na Amazônia, apenas a arte rupestre da Caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre, Pará, foi datada como mais antiga do que Cerro Azul (13 000 anos), mas os desenhos da caverna brasileira são mais geométricos, até mesmo abstratos, e não revelam tanto do cotidiano de seus artistas como fazem as pinturas dos paredões de La Lindosa.

    A maravilha arqueológica permaneceu isolada durante cinquenta anos por um motivo inusitado. A região era controlada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Na década de 70, estudantes da Universidade da Colômbia até tentaram adentrar a área, mas foram expulsos. Fora do controle do Estado, a região ficou inacessível até 2016, quando foi assinado o armistício com o governo. As visitas puderam começar em 2018. Ainda assim, o lugar é inóspito por natureza. Depois de chegar o mais próximo possível de carro, os pesquisadores seguiram a pé por quatro horas até encontrar o local. Além de animais, as gravuras revelam facetas culturais relevantes. Cenas de caça, pessoas de mãos dadas e supostos rituais religiosos reforçam a ideia de que ali viveu uma sociedade organizada. “Diante dos animais, os homens parecem miniaturas, com os braços erguidos em sinal de adoração. Era uma sociedade pré-urbana, vivendo em aldeias po­voadas”, esclarece Iriarte, que destaca o papel de dois colegas colombianos, Gaspar Morcote-Rios e Javier Bocanegra, na pesquisa.

    PARQUE VIGIADO - Serra da Capivara, no Piauí: patrimônio da humanidade com mais de 1 000 sítios -
    PARQUE VIGIADO - Serra da Capivara, no Piauí: patrimônio da humanidade com mais de 1 000 sítios – (FUMDHAM/.)
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    Os pesquisadores acreditam se tratar de registros dos primeiros indígenas amazônicos, raiz de todas as tribos que existem hoje. Eles eram os descendentes mais próximos dos grupos que partiram do sul da África na longa jornada de colonização que começou entre 70 000 e 50 000 anos atrás, passando pela Europa e Ásia e se espraiando pelos demais continentes e ilhas (leia sobre as pinturas da Indonésia no quadro da pág. ao lado). Diferente das obras do paleolítico europeu, feitas em cavernas escuras, a arte rupestre da Amazônia está em paredões, ao ar livre. E a tradição de pintura desses povos atravessou séculos, passando de geração a geração, chegando aos índios do presente, que seguem desenhando, como é o caso dos habitantes do Parque Nacional Chiribiquete, a 150 quilômetros ao sul de La Lindosa. Sendo a Amazônia o maior núcleo de biodiversidade do planeta, com cerca de 30 milhões de espécies animais e vegetais, não faltam a eles histórias para representar.

    Quando se descobrem preciosidades de valor inestimável como a formação de Cerro Azul e toda a Serranía de La Lindosa, a preocupação imediata passa a ser a conservação da região com a menor interferência possível no meio ambiente. Parques naturais, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, são protegidos com leis rigorosas que podem resultar em pesadas multas e até mesmo prisão para depredadores e ladrões. Em certos casos, um simples papel de bala largado pelo caminho é o suficiente para justificar a expulsão do local do visitante descuidado. O Parque Nacional da Serra da Capivara, cujas escavações começaram na década de 70, é preservado pela Fundação Museu do Homem Americano, organização sem fins lucrativos que conta com apoio nacional e internacional. São mais de 1 000 sítios com pinturas e gravuras pré-históricas que estariam em risco se não fossem devidamente protegidos com policiamento e visitação controlada.

    La Lindosa merece atenção da sociedade civil e das autoridades locais tanto quanto a Serra da Capivara. O trabalho de campo será retomado assim que a pandemia for controlada. O projeto da Universidade de Exeter é financiado pela União Europeia ao custo de 2,5 milhões de euros e vai até 2024. O brasileiro Jonas Gregório de Souza, da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, participou de diversos estudos amazônicos e prevê mais descobertas devido ao avanço da tecnologia de sensoriamento. O Light Detection and Ranging (LiDaR) faz escaneamento remoto e gera modelos em alta resolução. “Com ele, é possível atravessar o topo das árvores e filtrar apenas o solo”, diz Souza sobre a possibilidade de ser encontrados geoglifos — figuras feitas no solo e morros —, evidência inconteste de presença humana. Os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso são os de maior potencial. Não é exagero dizer que, em um futuro próximo, serão encontrados outros tesouros pré-históricos, agora na Amazônia brasileira.

    Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722

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