Por que a estrutura molecular premiada no Nobel de Química se parece com a bolsa de Hermione?
A comissão de especialistas da Academia Sueca e cientistas brasileiros explicam
Os ganhadores do Nobel de Química 2025 – Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi – foram premiados pelo desenvolvimento de uma nova arquitetura molecular denominada estruturas metal-orgânicas, ou MOFs (do inglês Metal-Organic Frameworks). Em essência, as MOFs são materiais cristalinos e ordenados, criados a partir de íons metálicos ligados por moléculas orgânicas. O que as torna revolucionárias é a presença de grandes cavidades em sua estrutura, onde moléculas específicas podem fluir para dentro e para fora. Graças ao trabalho dos laureados, que estabeleceu os fundamentos e demonstrou o potencial e a estabilidade das MOFs, os químicos já conseguiram projetar dezenas de milhares de variações.
As MOFs são “excepcionalmente úteis”, sendo projetadas para aplicações cotidianas que abordam desafios ambientais, energéticos e de saúde. “Uma pequena quantidade desse material pode ser quase como a bolsa de Hermione nos filmes de Harry Potter”, disse Olof Ramstrom, membro do Comitê Nobel de Química, após a revelação do prêmio. “Ela pode armazenar enormes quantidades de gás em um volume minúsculo.”
Na gestão ambiental e de recursos, as MOFs apresentam grande potencial. Pesquisadores já as utilizaram para colher água do ar do deserto. O material MOF-303, por exemplo, capta vapor d’água durante a noite e o libera como água potável quando o sol o aquece. No tratamento de água, o UiO-67 é um material promissor capaz de absorver PFAS, auxiliando na remoção de poluentes. Além disso, o MIL-101 tem sido usado para catalisar a decomposição de petróleo bruto e antibióticos em água poluída.
No combate às mudanças climáticas, as MOFs são poderosas ferramentas para a captura de dióxido de carbono (CO2) de usinas de energia e fábricas. O CALF-20, com sua capacidade excepcional de absorção de CO2, está sendo testado comercialmente. Na área de energia, as MOFs podem armazenar grandes volumes de gás, como o hidrogênio. O NU-1501 foi otimizado para armazenar e liberar hidrogênio em pressão normal, tornando o combustível mais seguro para veículos, em contraste com os tanques de alta pressão, onde o gás é extremamente explosivo.
“A captura de dióxido de carbono, ou seja, CO2, utilizando as metal-orgânicas frameworks, é uma solução promissora para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, especialmente em indústrias onde a emissão de CO2 são significativas, como usinas térmicas e indústrias de cimento”, disse Severino Alves Júnior, professor do departamento de química fundamental da UFPE e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. “Os MOF são materiais altamente porosos, com íons metálicos ligantes, e com uma elevada área superficial. Isso faz com que a captura do CO2 seja mais efetiva. De uma forma geral, não só é interessante para captura de co2 como também para purificação de água, armazenamento de energia, liberação controlada de fármacos, entre várias outras aplicações.”
As aplicações se estendem à indústria e à saúde. As MOFs são úteis no gerenciamento de gases, podendo conter gases tóxicos necessários na produção de semicondutores para a indústria eletrônica, ou quebrar gases nocivos, incluindo aqueles que podem ser usados como armas químicas. Algumas construções são adaptadas para a entrega de produtos farmacêuticos no corpo, enquanto outras podem encapsular enzimas que decompõem traços de antibióticos no ambiente. No setor alimentício, as MOFs podem prender o gás etileno, o que retarda o amadurecimento de frutas.
Embora muitas dessas aplicações ainda estejam sendo escaladas, a crença no enorme potencial das Estruturas Metalorgânicas fez com que muitas empresas investissem em sua produção e comercialização em massa. O trabalho de Kitagawa, Robson e Yaghi forneceu aos químicos a oportunidade de enfrentar alguns dos maiores desafios da atualidade, trazendo o maior benefício para a humanidade.







