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Saiba como tocar música para pássaros ajudou a confirmar teoria de Darwin

Esforço científico de longo prazo para conectar evolução e mudanças ambientais alcança sucesso graças às "canções dos tentilhões do futuro"

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 out 2024, 18h00

Os tentilhões de Darwin, famosos habitantes das Ilhas Galápagos, no Equador, ganharam notoriedade por seu papel crucial na confirmação da Teoria da Evolução. Durante suas observações, Charles Darwin notou que os formatos dos bicos dessas aves variam conforme suas necessidades alimentares. Ele então deduziu que essas variações poderiam ser explicadas se todas as espécies tivessem descendido de um ancestral comum que chegou ao arquipélago vindo do continente. Essa percepção foi fundamental para a formulação de sua teoria revolucionária, eternizada no clássico “A Origem das Espécies”. Agora, séculos depois, esses pequenos pássaros mais uma vez ocupam o centro das atenções em uma nova descoberta científica, aprofundando a compreensão sobre o surgimento de novas espécies.

Em um estudo recente publicado na revista Science, biólogos da Universidade de Massachusetts Amherst (UMass) confirmaram de forma intrigante a conexão entre ambiente e especiação — o processo que dá origem a novas espécies. Até agora, a ideia de que mudanças no ambiente poderiam levar diretamente à formação de novas espécies parecia lógica, mas provar isso com experiências práticas era como tentar capturar um raio em uma garrafa. No entanto, essa pesquisa pode ter mudado o jogo, graças a um conceito quase poético: os “fantasmas dos tentilhões do futuro”.

O Enigma dos Bicos e Canções

Jeffrey Podos, professor de biologia na UMass Amherst e um dos principais autores da pesquisa, vem estudando os tentilhões de Darwin há 25 anos. Em sua primeira publicação sobre o tema, em 2001, ele demonstrou que mudanças nos bicos dessas aves levam a alterações em suas canções. A partir dessa descoberta, Podos passou a explorar a hipótese de que essas mudanças nos cantos, relacionadas à evolução dos bicos, poderiam desencadear a especiação ecológica. Isso porque as canções dos tentilhões desempenham um papel crucial na atração de parceiros e na perpetuação da espécie.

A teoria faz sentido: como os tentilhões usam suas canções para atrair parceiros, qualquer alteração no canto poderia interferir nesse processo e, com o tempo, resultar na separação das espécies. Mas, até agora, faltava uma prova concreta.

Como a especiação é um processo que ocorre ao longo de milhares de anos, fica difícil observar suas transformações no presente. Para contornar esse problema, Podos e sua equipe realizaram uma simulação baseada nas condições ambientais que as aves enfrentariam em um futuro hipotético.

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Uma Janela para o Futuro dos Tentilhões

A equipe sabia que as secas são um fator importante nas Ilhas Galápagos, e que essas condições favorecem os tentilhões com bicos mais grossos, capazes de quebrar sementes duras. Com isso em mente, os pesquisadores simularam como os bicos das aves mudariam após sucessivos períodos de seca e, consequentemente, como essas mudanças afetariam os cantos.

Com base nessas simulações, os pesquisadores tocaram as “músicas” dos futuros tentilhões para as aves atuais. No início, os tentilhões reagiram normalmente aos cantos modificados. Mas à medida que as simulações foram avançando e as canções ficaram cada vez mais lentas e graves — após o equivalente a seis grandes eventos de seca — os tentilhões quase não responderam. Isso sugere que as aves já não reconhecem esses cantos como pertencentes à mesma espécie, o que poderia levar à separação entre as populações e, eventualmente, ao surgimento de uma nova espécie.

O Impacto da Descoberta

Embora a ideia de que mudanças ecológicas impulsionam a formação de novas espécies já exista há algum tempo, esse estudo oferece uma confirmação empírica, algo que os cientistas vinham buscando há anos. “Nossa pesquisa não é uma revolução conceitual, mas é uma confirmação experimental da especiação ecológica e sua plausibilidade.”, diz Podos, em nota. “Basicamente, nós projetamos os chamados dos futuros tentilhões”. 

Isso significa que, se condições ambientais como secas severas continuarem a ocorrer nas Ilhas Galápagos, poderemos testemunhar o surgimento de novas espécies de tentilhões. E isso é apenas o começo de como estudos experimentais podem nos ajudar a prever, e talvez até influenciar, o futuro da biodiversidade global.

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