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Seu nome nas estrelas: Brasil ganha direito de batizar 2 corpos celestes

Países ligados à União Astronômica poderão escolher como vai se chamar uma dupla de astros. A votação está aberta.

Por Jana Sampaio e Maria Clara Vieira
Atualizado em 4 jun 2024, 15h36 - Publicado em 12 jul 2019, 06h30

Muito tempo antes do advento do telescópio, os babilônios, pioneiros na fascinante aventura de investigar os astros, cultivavam o hábito de dar nome aos pontos cintilantes que admiravam a partir da Terra. Batizar estrelas e planetas continuou sendo prática e hobby em civilizações que viriam a encantar-se com o tema, como os romanos. Enquanto desfrutavam um poder sem fronteiras, eles também agiam como senhores dos céus — os deuses Júpiter, Vênus e companhia giram em volta do Sol até hoje para provar isso. Nos tempos modernos, nomear galáxias, planetas ou mesmo um singelo asteroide virou alta honraria concedida a grandes astrônomos, que recorrem, quase sempre, a códigos ininteligíveis aos olhos de simples mortais. Agora, uma iniciativa da União Astronômica Internacional (IAU) pretende trazer ao infinito estelar um toque, digamos, pop. Os países ligados à IAU terão direito de escolher como vão chamar um minissistema — constituído de uma única estrela e do planeta que orbi­ta em torno dela. Por ora, 79, entre eles o Brasil, aceitaram o desafio. A votação está aberta.

Um astro para chamar de nosso
(Arte/VEJA)

A categoria sujeita à nova nomenclatura é a dos exoplanetas — eles gravitam fora do sistema solar, mas ainda dentro da Via Láctea. Desde 1995, cerca de 4 000 deles foram descobertos em expedições espaciais da Nasa. Em uma extrapolação, dizem os cientistas, podem existir bilhões de mundos habitáveis nesse pontilhado de planetas recém-encontrados. A ideia de estender da academia a curiosos em geral a oportunidade de bolar nomes para esse universo de pequenos sistemas celestes tem um objetivo claro, que casa justamente com o centenário que a IAU completa neste ano e a reflexão que ele suscita sobre a necessidade de tirar a astronomia de seu casulo científico, como aconteceu com a chegada do homem à Lua, há cinquenta anos. “Se conseguirmos envolver a sociedade, ela entenderá melhor a relevância do que fazemos”, diz o carioca Eduardo Penteado, representante da União Astronômica no Brasil e um dos que encabeçam a missão NameExoWorlds.

A dupla de astros que caberá a cada país foi escolhida pelo critério da distância: precisava estar próxima o suficiente para se fazer visível, por meio de telescópio, à população daquele lugar que a batizou. No caso do Brasil, a estrela em questão é atualmente conhecida pelo árido casamento de letras e números HD 23079 — e o seu exoplaneta, para piorar, ainda tem um “b” depois de tudo isso. A estrela é feita basicamente de hidrogênio e equivale em tamanho ao Sol. O planeta parece um gigante gasoso, com um período de translação equivalente a dois anos na Terra. Não, lá nunca haverá vida como a concebemos: além do excesso de gás, o local, ao que tudo indica, é uma geladeira, por estar muito longe da estrela que o poderia aquecer.

O conjunto, que fica a mais de 100 anos-luz da Terra e pode ser avistado entre os meses de dezembro e fevereiro com a mãozinha de um telescópio, sairá desta com um cartão de visita mais palatável. As duplas que estão na roda brasileira até agora (a votação vai até 31 de agosto no site da União Astronômica Internacional) são Riobaldo e Diadorim, de Grande Sertão: Veredas, e Capitu e Bentinho, de Dom Casmurro, entre outras que sorvem inspiração da literatura e da cultura nacional — aliás, um pré-requisito para vencer, com o perdão do trocadilho, esta corrida espacial. A criatividade é quase livre, mas a IAU impõe certas regras. Uma delas é submeter nomes já contando que o sistema não é tão míni assim: podem-­se descobrir outros planetas girando em torno daquela estrela. Aí será preciso nomear os novos astros em harmonia com a dupla original. Pinçar um personagem que faça parte de uma trama repleta de outros, por exemplo, pode ajudar. Surgiu um planeta, é só voltar ao livro. No século XVII, a mesma regra já norteava esse tipo de escolha, tanto que se convencionou que todas as luas de Júpiter ganhariam nome de uma amante de Zeus, o poderoso dono do Olimpo. Ainda bem que ele era adepto da poligamia: são 79 luas.

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Esta é a iniciativa de maior envergadura feita pela União dos Astrônomos para aproximar sua ciência da vida cotidiana. Mas houve outra, em 2015, que deu mais graça ao espaço sideral. Uma votação on-line para nomear catorze estrelas e 31 exoplanetas fez da constelação Mu Arae (uma denominação técnica que indica posição e tamanho da estrela) uma apoteose a Miguel de Cervantes e sua obra-prima, Dom Quixote de La Mancha. A estrela foi batizada de Cervantes, enquanto os planetas no entorno são Quixote, Sancho, Dulcinea, Rocinante. Segundo a organização do projeto no Brasil, desde que a votação foi aberta ao público, em 6 de junho, houve mais de 500 sugestões aqui, 307 inválidas. “Aparece muito nome relacionado a política e futebol, que cortamos”, conta o astrônomo Helio Rocha, responsável pelo comitê nacional. O regulamento veta referências religiosas, políticas e a pessoas vivas. A lista produzida em cada país ainda precisa passar pelo crivo da IAU — processo árduo e competitivo que deve se encerrar até o fim do ano.

Publicado em VEJA de 17 de julho de 2019, edição nº 2643

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