Não foi fácil ingressar na Nasa. Tentei durante quatro anos, enquanto trabalhava com fibra óptica e projetava lentes para cirurgias de catarata. Mandei e-mails para mais de uma dezena de pessoas da agência, sem sucesso, até que acabaram chegando ao meu nome por acaso, por ter participado de uma conferência. Aí me chamaram para uma entrevista. Hoje trabalho na unidade JPL (Jet Propulsion Laboratory), próximo a Pasadena, na Califórnia, e me dedico aos projetos de exploração de Marte, um ofício absolutamente fascinante. Coordeno uma equipe de colaboração internacional com engenheiros da França, da Espanha e do Novo México que está envolvida na construção de uma supercâmera. O equipamento é a cabeça do robô Mars 2020, com lançamento previsto para julho, cujo objetivo é coletar amostras da superfície do planeta. Todo o esforço é para tentar responder a uma das grandes questões da humanidade: afinal, há alguma forma de vida em Marte?
Meu trajeto até entrar na agência espacial americana, em 2006, não foi nada linear. Nasci em Moema, cidade com 7 000 habitantes no interior de Minas Gerais, em uma família de agricultores de nove irmãos. Vivíamos com muita dificuldade. A primeira vez que vi televisão, nunca vou esquecer, foi na transmissão da chegada do homem à Lua, aos 9 anos. Estudei em escolas públicas e fiz um curso técnico em agropecuária. Para juntar dinheiro para o cursinho pré-vestibular, trabalhei ainda como administrador de uma fazenda, onde estava isolado do mundo: a cidade mais próxima ficava a 100 quilômetros de distância e não havia sequer energia elétrica. As noites na escuridão e o céu espetacular instigaram a minha curiosidade e o interesse pela carreira científica de maneira decisiva.
Foi só aos 22 anos que consegui entrar no curso de física da Universidade Federal de Minas. Emendei com um mestrado em óptica, depois um doutorado na área de engenharia elétrica em Glasgow e um pós-doutorado em Edimburgo, ambos na Escócia, para finalmente chegar à Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, onde vivo há duas décadas. Em 2018, lancei o livro A Caminho de Marte, em que falo do que aprendi sobre o misterioso planeta vizinho e os 25 séculos de conhecimento acumulado na astronomia. Há um mês, fui surpreendido com o prêmio Jabuti na área de ciências, o que me fez ter ainda mais certeza de que esse é um assunto de imenso interesse.
Na missão Marte 2012, com o robô Curiosity, fui responsável pela construção dos transmissores e receptores do radar que controlou o pouso no solo do planeta vermelho. Os últimos quatro minutos de descida foram dramáticos, de alta tensão. Qualquer minúsculo erro poderia pôr a perder um investimento de 2,5 bilhões de dólares. Esse robozinho mostrou ao mundo que há 3 bilhões de anos havia água e uma atmosfera parecida com a da Terra em Marte, com rios, nuvens e chuvas. Descobrimos moléculas orgânicas complexas, mas ainda há muito a explorar. Acabo de voltar do Rio de Janeiro, onde participei de um evento que discutiu cenários possíveis na corrida espacial. Um deles é povoar outros mundos. E, se isso acontecer mesmo, o primeiro local provavelmente será Marte. Ainda não sabemos quando ocorrerá a primeira missão tripulada ao planeta. Acredito que dentro de umas duas décadas. Com temperaturas que chegam a 120 graus Celsius negativos e 95% do ar composto de gás carbônico, só será viável habitar Marte em redomas artificiais. Quando me perguntam se acredito em extraterrestres, digo que no nosso sistema solar a chance é praticamente zero. Em torno de outras estrelas da nossa galáxia, no entanto, é possível, sim, que existam seres inteligentes. Quero acreditar que esse tipo de vida não seja um fenômeno tão raro.
Depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666