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Um salto gigantesco na busca de vida fora da Terra

Notícia de sinais de micro-organismos vivos em um planeta a 124 anos-luz de distância da Terra realimenta o anseio por achar seres em outros planetas

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 26 abr 2025, 08h00

Foi um pequeno passo para a humanidade — ou, posto de outro modo, um salto gigantesco para uma de nossas mais recorrentes quimeras, a descoberta de vida fora da Terra. No último dia 16, astrônomos debruçados em informações recolhidas pelo Telescópio Espacial James Webb identificaram os sinais mais fortes de alguma existência fora do Sistema Solar, ao detectar na atmosfera de um planeta alienígena as impressões químicas de gases que cá embaixo são produzidos apenas por processos biológicos. As duas substâncias — o dimetil sulfeto e o dissulfeto de dimetila — brotam no pedaço do espaço que habitamos em fitoplânctons marinhos, como as algas. Os indícios flagrados pelas poderosas lentes e microfones do Webb no planeta K2-18b, em órbita a 124 anos-luz de distância, o equivalente a 1,18 quadrilhão de quilômetros, produziram cauteloso entusiasmo. “São os primeiros vestígios de um outro mundo que é possivelmente habitado”, afirmou o astrofísico Nikku Madhusudhan, autor principal do estudo do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, publicado no Astrophysical Journal Letters.

CINCO NOTAS - O diálogo musical de 'Contatos Imediatos do Terceiro Grau', de 1977: a arte como tradução do fascínio
CINCO NOTAS - O diálogo musical de ‘Contatos Imediatos do Terceiro Grau’, de 1977: a arte como tradução do fascínio (./Divulgação)

Está longe ainda, por óbvio — com o perdão aos sonhadores —, do Santo Graal desejado pela investigação dos chamados exoplanetas, como o K2-18b: a revelação de gente como a gente, ou quase. O achado, enfim, de figuras que desde o período pré-socrático povoam a mente da civilização, seres de jeitão estranho e malemolente, eternizados na cultura pop por Steven Spielberg em E.T. — O Extraterrestre, de 1982. A partir da década de 1990, 5 800 planetas lá longe foram catalogados, mas nunca houve resultados palpáveis como os de agora. Mesmo o líder da aventura, Madhusudhan, pede tempo ao tempo, por saber serem necessárias ao menos mais duas ou três observações, de modo a garantir a certeza e a celebração. “Não é de interesse de ninguém afirmar prematuramente que detectamos vida”, diz ele. Siga-se portanto nessa toada, porque o conhecimento exige muito suor, os erros seguidos de acertos, em infinita progressão. E mesmo micro-­organismos, sem carne, sem osso, sem voz, valem reconhecimento. “Em futuro breve, se for possível confirmar o que foi mostrado agora, estaremos diante de um feito gigantesco”, diz Thiago Signorini Gonçalves, diretor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A notícia, contudo, tem um extraordinário dom: o de alimentar, como nunca antes, uma esperança que faz parte da roupagem da única espécie afeita a pensar, a erguer maravilhas, embora promova também guerras. A única espécie a manter atenção, como agora, a um período chamado de “interregno”, entre a morte de um papa e a eleição do próximo, por exemplo — momento de exercitar a paciência, voltar ao passado, medir estragos e louvar movimentos benéficos. Será, mas será mesmo que há algo lá fora com esse tipo de comportamento? Na prática, não sabemos. Do ponto de vista filosófico, intuímos que sim, ou desejamos que assim seja, daí o fascínio pelos bichinhos minúsculos, o quase nada do K2-18b, potencialmente habitável. Há muita estrada a ser percorrida, mas algo andou.

PIONEIRO - O astrônomo Frank Drake, em 1985: investigações pioneiras
PIONEIRO - O astrônomo Frank Drake, em 1985: investigações pioneiras (NRAO/AUI/NSF/.)
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Louve-se, no fio da meada, um personagem fundamental da travessia, Frank Drake (1930-2022), que em 1961 foi o primeiro, na era moderna, a levar as indagações filosóficas a laboratórios da Nasa, o primeiro a transpor as estrelas do campo da ficção científica para o da ciência. Intrigado com a possibilidade de gravar ruídos espaciais, ele convocou um grupo de astrônomos, químicos, biólogos e engenheiros em torno de um projeto para a busca de inteligência extraterrestre, até então “essencialmente um tabu”. Fazia parte da equipe um jovem cientista, Carl Sagan (1934-1996), que depois viraria um evangelizador cético da procura pelo diferente, em campo hoje batizado de astrobiologia. Sagan, aliás, foi autor de uma das frases mais bonitas em torno desse deslumbramento agora alimentado pela turma de Cambridge: “Se estamos sós no universo, então isso é um enorme desperdício de espaço”. E cravava: “A ausência de evidência não é evidência de ausência”.

Enquanto isso, se vivemos na solidão, o caminho será sempre o da criatividade. Em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, também de Spielberg, de 1977, dá-se uma conversa por meio de música, as cinco notas perfeitas compostas por John Williams para a conversa entre humanos e os forasteiros do espaço. Um dia, quem sabe, a vida imitará a arte. Um trecho dessa história poderá caber ao K2-18b.

Publicado em VEJA de 25 de abril de 2025, edição nº 2941

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