Uma relíquia da pintura rupestre
A mais antiga arte figurativa, com 45 000 anos, fica na ilha de Celebes, na Indonésia
Antes do terremoto de 15 de janeiro, que, infelizmente, deixou dezenas de mortos e centenas de feridos e desabrigados, a ilha de Celebes (ou Sulawesi) havia chegado aos noticiários por um motivo auspicioso: o anúncio da descoberta, em uma caverna remota, da mais antiga pintura rupestre figurativa, com 45 000 anos. Celebes é parte da Indonésia, que forma com Filipinas, Malásia e outras nações um arquipélago situado entre o Sudeste Asiático e a Austrália.
É senso comum que o Homo sapiens surgiu em algum lugar ao sul da África entre 200 000 e 300 000 anos atrás, mas continua sendo um quebra-cabeça incompleto o período exato e a forma como a humanidade migrou para a Eurásia e, depois, para o arquipélago malaio, onde está a atual Indonésia.
A caverna de Leang Tedongnge, onde foi encontrado o painel pré-histórico, faz parte de um conjunto de outras grutas de difícil acesso, que só pode ser feito na seca. Para determinar a idade precisa da pintura, pesquisadores australianos fizeram datação por decaimento de urânio usado em rochas. A medição não foi feita a partir da tinta, mas dos sedimentos minerais que repousam sobre ela — o que significa que o mural pode ser ainda mais antigo.
Leang Tedongnge está destronando, pelo menos em idade, os magníficos desenhos encontrados na Europa, em especial no sítio arqueológico de Lascaux, datados como sendo de 15 000 a 17 000 anos atrás. Existem pinturas mais antigas na Espanha, Portugal e África do Sul, mas elas são abstratas e talvez tenham sido feitas por outros hominídeos. A imagem encontrada em Celebes é figurativa, ou seja, representa alguém ou algo — no caso o javali-das-visayas, que devia fazer parte do cardápio do homem das cavernas e hoje é uma espécie ameaçada de extinção.
Mas seria a pintura do javali, traçada com argila vermelha, prova inconteste de obra humana? Tudo indica que sim, ainda que não possa ser descartada a possibilidade de outros hominídeos terem habitado a região antes da chegada do homem. A ciência é assim mesmo: para cada resposta obtida, surgem mais perguntas.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722