A vacinação é uma técnica que foi chave para a sobrevivência humana e de uma variedade de animais. Mas será que ela também funciona para plantas? Pesquisas apontam que sim e, além de proteger contra pragas, também pode ajudar a aumentar o potencial nutritivo dessas espécies.
Esse sistema não é novo. Em 1901, dois pesquisadores independentes falaram sobre resistência adquirida em plantas pela primeira vez, processo através do qual esses seres conseguem guardar uma memória de como se defender de determinados patógenos. É como uma versão mais rudimentar do sistema imunológico humano.
Por muito tempo, no entanto, explorar esse tipo de defesa foi visto como algo negativo. “Esse sistema de proteção exige um gasto de energia e pode afetar o crescimento, então sempre se priorizou o uso de defensivos agrícolas”, diz Kleiton Machado, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa. “Mas hoje, pesquisas já mostram que eles podem ser benéficos se explorados com equilíbrio.”
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É o que mostra o artigo científico publicado nesta terça-feira, 15, no periódico científico Frontiers in Science. Ao analisar a vasta literatura científica sobre o tema, o trabalho aponta a evolução dessa área de pesquisa e a solução para os principais desafios desse tipo de técnica.
O principal benefício é na redução do uso de agrotóxicos. A eliminação completa não é possível, em especial em sistemas de monocultura, mas a indução de resistência pode reduzir a necessidade desses químicos, em especial se associados a aplicação de outras tecnologias sustentáveis – como os insumos biológicos (bactérias, por exemplo) capazes de controlar pragas.
Há ainda, um benefício para a saúde humana. “O metabolismo secundário das plantas gera produtos, como os flavonoides, que podem auxiliar o nosso sistema imunológico”, explica Machado.
Como funciona a vacinação de plantas?
Vacinação consiste, basicamente, em expor um determinado indivíduo a uma versão não patogênica de um agente infeccioso para que ele consiga se defender de infecções no futuro. Na maioria dos animais, isso pode ser feito em qualquer fase da vida, mas o mesmo não vai funcionar para plantas.
Vegetais estão mais propenso para gerar uma proteção de longo prazo quando passam por um processo denominado priming, quando entram em uma fase de maior vigilância contra pragas. Como fazer isso varia de espécie para espécie, então, a depender do produto sendo cultivado, a abordagem será diferente. “Argumentamos a favor de uma abordagem holística para a proteção de cultivos, que combina múltiplas estratégias para fornecer soluções personalizadas”, diz a autora do artigo, Brigitte Mauch-Mani, em comunicado. “A resistência induzida está no cerne de tal abordagem integrada.”
Hoje, a ciência permite a indução do priming. Assim, é possível provocar essa fase de maior vigilância nos cultivares, aumentando a proteção. Alternativamente, também é possível misturar vegetais que passaram por esse processo a uma determinada plantação, aumentando assim a proteção contra o espalhamento dessas pragas. E há um detalhe importante: a resposta provocada nessa etapa de maior atividade imune permite que essa resistência seja, pelo menos em partes, passada de geração em geração, protegendo também os descendentes.
Há, ainda, muito trabalho pela frente. “Acreditamos firmemente que a pesquisa sobre resistência induzida será crítica para a transição em direção a um suprimento alimentar verdadeiramente sustentável”, disse Mauch-Mani. “No entanto, há uma necessidade urgente de melhor comunicação entre a pesquisa focada na descoberta e outras partes interessadas que têm a expertise para traduzir a descoberta em aplicação.”