Viagens até Marte podem depender de ingrediente inusitado: urina
Segundo estudo, urina e gases resultantes da respiração dos astronautas poderiam se transformar em nutrientes e plásticos essenciais às viagens espaciais
Durante as longas viagens a Marte, os astronautas poderiam se alimentar e usar materiais feitos com a própria urina, afirma um novo estudo feito com recursos da Nasa. O projeto, que pretende descobrir como aproveitar os dejetos humanos – como urina e gases da respiração – para produzir nutrientes e materiais que possam ser utilizados no espaço, foi apresentado nesta terça-feira na conferência anual da Sociedade Americana de Química, nos Estados Unidos. Segundo a pesquisa, a partir da urina dos astronautas seria possível fabricar substâncias como ômega-3 e até algumas variedades de plástico, que poderiam ser usadas na confecção de ferramentas.
“Os astronautas deverão ser capazes de produzir nutrientes e materiais necessários durante as longas viagens espaciais, de maneira independente da Terra”, afirmou o biólogo Mark Blenner, professor de química e engenharia biomolecular da Universidade Clemson, nos Estados Unidos, líder da pesquisa. “Eles não têm espaço para transportar tudo o que precisam – e alguns nutrientes, medicamentos e materiais podem se degradar em missões que durem mais de três anos.”
Urina reciclada
O grande desafio dos cientistas é encontrar meios de reduzir o volume de materiais levados ao espaço – cada bagagem a mais significa maior uso de combustível, fundamental para o sucesso das viagens. Portanto, os pesquisadores apostam na reciclagem de todas as moléculas contidas nas naves. Na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), a urina dos astronautas já é reciclada para o fornecimento de água potável.
O estudo de Blenner se baseia na levedura Yarrowia lipolytica, que costuma ser encontrada em queijos. Em estudo desenvolvido desde 2015, o biólogo descobriu que várias linhagens dessa levedura podem ser alimentadas por meio do nitrogênio encontrado na ureia (composto presente na urina) e do carbono produzido pela respiração ou encontrado na atmosfera de Marte. Pesquisas anteriores já mostraram que o microrganismo pode ser geneticamente modificado para produzir diversas substâncias, como ômega-3 e mesmo alguns tipos de poliéster.
A ideia do cientista é embarcar a levedura, em estado dormente, nas naves e, quando necessário, fazê-la crescer para que produza os nutrientes ou suprimentos. Colocado em impressoras 3D, o poliéster poderia ser a matéria-prima de plásticos que dariam forma a diversos materiais, como algumas ferramentas ou componentes necessários para as viagens. Os nutrientes criados pela levedura também seriam melhores que as alternativas já testadas, como a produção de vegetais, pois seriam capazes de produzir as vitaminas e minerais encontradas nos vegetais de maneira mais rápida.
“Ter um sistema biológico que os astronautas podem ‘acordar’ para que produza o que precisam, quando precisam, é a motivação de nosso projeto”, afirma Blenner.
Por enquanto, os pesquisadores estão trabalhando na produção de pequenas quantidades de poliéster e nutrientes, mas esperam conseguir fabricá-las em grandes quantidades. Além disso, o estudo também pretende verificar como a levedura se comporta em ambientes de microgravidade ou sob as violentas radiações a que Marte está submetido.
Confira o vídeo (em inglês), feito pela Sociedade Americana de Química, sobre a pesquisa: