“Ao pai e à mãe de Nicolas, seu filho fez uma operação explosiva com um caminhão no vilarejo inimigo de Homs. Que Deus o aceite como mártir.” Essa mensagem, escrita em francês, foi enviada para Dominique Bons, de 60 anos, em dezembro passado. Apenas cinco meses antes, ela fora pega de surpresa ao ver o filho Nicolas, de 30 anos, em um vídeo na internet em que afirmava ser membro do grupo terrorista Estado Islâmico.
Assim começa a reportagem com o título “Como se perde um filho para o terror”, da repórter de Veja Nathalia Watkins, publicada na edição 2390, em setembro de 2014. Nathalia viajou à França para entrevistar Dominique e outros familiares de jovens muçulmanos que fugiram de casa para se juntar ao Estado Islâmico (EI) na Síria. Quatro meses depois, três cidadãos franceses, Amedy Coulibaly e os irmãos Said e Chérif Kouachi, cometeram os atentados na redação do jornal satírico Charlie Hebdo e em um supermercado kosher em Paris, matando no total dezessete pessoas. Foi o primeiro atentado terrorista organizado diretamente pelo EI fora do mundo árabe. O segundo ocorreu este mês, no dia 13, também em Paris. Um mês depois do ataque ao Charlie Hebdo, Nathalia foi novamente enviada à França para aprofundar ainda mais a investigação desse fenômeno espantoso que são os terroristas domésticos (homegrown terrorists, como se diz em inglês): cidadãos nascidos e/ou criados no Ocidente que se dedicam a matar inocentes em sua própria terra natal ou em países que os acolheram como imigrantes. A segunda incursão aos guetos islâmicos da França resultou na reportagem “Como curar um jihadista”, que saiu na edição 2416. Ambas podem ser lidas na íntegra aqui e aqui.
As duas reportagens levantam questões que estão novamente na boca de todos os franceses, esta semana:
O que leva adolescentes com 15 anos ou mais a tomar um trem ou um avião escondidos da família e levar uma vida radical nos confins do Oriente Médio é um enigma. (Em “Como perder um filho para o terror”.)
O que leva cidadãos de diferentes origens étnicas e sociais a odiar tanto o país onde nasceram a ponto de querer matar seus compatriotas? Como se dá sua adesão a uma versão radical e violenta da religião islâmica? É possível reverter esse processo ou evitar que mais jovens enveredem por esse caminho? (Em “Como curar um jihadista”.)
Algumas descobertas feitas por Nathalia em suas investigações jornalísticas.
Sobre o recrutamento de europeus pelos terroristas:
1) Os jovens radicalizados não são vítimas da sociedade capitalista nem injustiçados. Muitos são de família de classe média, todos estudaram e a maioria ia bem na escola;
2) Eles PENSAM que são injustiçados, ou então acham que precisam fazer algo contra a suposta injustiça cometida contra muçulmanos em outras partes do mundo;
3) Pela internet, radicais localizados no Oriente Médio ou na própria Europa fazem amizade com os jovens que pretendem aliciar, ganhando sua confiança. São feitas, por exemplo, competições no Facebook, em que as meninas que conseguirem mais “curtidas” em postagens com mensagens religiosas ganham um jihab (vestido longo e com manga comprida, que cobre todo o corpo);
4) Aos poucos, os aliciadores convencem os jovens de que suas famílias não são suficientemente islâmicas, e que precisam ir para o Oriente Médio para lutar contra ditadores aliados de potências imperialistas ou, para as mulheres, que deveriam ajudar a cuidar dos civis que sofrem os efeitos da guerra civil na Síria;
5) Muitos jovens, ao chegar na Síria, percebem que foram enganados, mas são proibidos de voltar. Outros se encantam com o novo estilo de vida e com a possibilidade de cometer atrocidades impunemente, e tornam-se cada vez mais radicais.
Sobre a tentativa de desradicalizar os jovens muçulmanos
A França tem um programa para recuperar potenciais jihadistas em três etapas:
1) Centro de atendimento telefônico. Parentes e amigos (60% são mães) ligam para o número de um serviço mantido pelo governo para avisar sobre jovens que adotaram um comportamento suspeito, de crescente radicalismo religioso;
2) Um em cada seis telefonemas indica um potencial jihadista. As autoridades podem prendê-lo, confiscar seu passaporte ou encaminhá-lo para um serviço de recuperação, dependendo do seu grau de radicalismo;
3) O processo de desradicalização, feito pelo serviço social, consiste em sessões de psicoterapia dos jovens com seus parentes em um apartamento com endereço secreto em Paris. O imã tunisiano Dahou Meskine conversa com os jovens para apresentar a eles uma versão moderada do Islã;
4) Diversas mesquitas têm grupos de discussão em que os imãs tentam fazer como Meskine: mostrar que o Corão não deve ter uma leitura enviesada, violenta, que estimule o assassinato e a intolerância.
Esse programa tem tido efeito reduzido por vários motivos. Entre eles: os jovens param de frequentar as mesquitas com imãs moderados assim que começam a demonstrar sinais de radicalização e buscam líderes religiosos que fazem pregações informais em apartamentos da periferia das cidades francesas; a reincidência no radicalismo islâmico é alta, de 20%, equivalente à de dependentes químicos; e as prisões são verdadeiros ninhos de radicalização, pois os jihadistas ali presos têm fácil acesso a jovens muçulmanos detidos por crimes comuns e não há clérigos moderados suficientes para fazer o trabalho inverso (são apenas 182 para uma população carcerária de 30.000 muçulmanos).
A guerra ideológica necessária para combater a radicalização dos jovens muçulmanos da Europa, portanto, ainda está engatinhando. Ainda há muito por fazer e uma grande parcela da responsabilidade terá de ser assumida, com vigor, pelos muçulmanos moderados.