O professor de matemática Rafael Procopio tem uma trajetória impressionante (é uma das muitas que foram abordadas em meu livro O Clube dos Youtubers, recentemente publicado pelo selo Gutenberg). Nascido na favela de Fumacê, no Rio de Janeiro, encantou-se com o mundo das equações quando ainda era jovem. Formou-se e escolheu dar aulas em uma escola pública. Frustrou-se, porém, diante do conhecido sucateamento do ensino público brasileiro. Foi aí que, em 2010, decidiu se aventurar no YouTube, ao lançar o canal Matemática Rio. Seus colegas acharam graça, acreditavam que ele não teria sucesso. Ocorreu o extremo oposto.
Procopio ganhou prêmios, foi o único youtuber brasileiro a ser convidado para uma conversar com o Papa Francisco, no Vaticano, sobre como educar a juventude de hoje — detalhe: o youtuber matemático é ateu —, teve apoio da Fundação Lemann e se tornou um dos pioneiros do YouTube Edu. Este último se trata de uma categoria do YouTube dedicada a Educação, com canais escolhidos após curadoria cuidadosa. Hoje, o Matemática Rio já ultrapassa o patamar de 1,7 milhão de inscritos.
Na internet, um de seus principais focos é preparar alunos para o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Recentemente, o youtuber ainda lançou o livro Sou péssimo em matemática, pela HarperCollins Brasil. O subtítulo da obra explica a que veio: “como desvendar os mistérios dos números com histórias fascinantes e dicas infalíveis”.
Na entrevista a seguir, Procopio fala do desafio de fazer com que os adolescentes gostem de matemática. Não só isso, ainda trata de seu livro, de se o YouTube democratizou o ensino, e de se há o que fazer na última semana antes da prova do Enem, no próximo domingo (10) — no período em que, segundo ele, “o bagulho fica doido e é preciso acalmar a galera”.
No seu livro recém-lançado a proposta é falar com quem é péssimo em matemática? Quem se acha ruim na disciplina normalmente tem essa visão por possuir uma base fraca. Chegou até a ter algum contato com o conteúdo, mas não o fixou. Mostro no livro que isso não é um problema intransponível. Se retomar os conceitos básicos, e progredir a partir daí, qualquer um aprende. O que não adianta é começar logo pela álgebra avançada. Antes é preciso compreender bem coisas como subtração, adição, multiplicação, fração etc. No meu livro, dou as dicas, usando ainda um personagem, o Carlos Frederico, como forma de guiar o leitor.
Por que inserir essa figura, o Carlos Frederico, ajuda no ensino? O Carlos Frederico é o que foi Rafael Procopio. Veio da favela, tem talento para a matemática, e mesmo diante de dificuldades, consegue evoluir a partir dos estímulos certos para levá-lo a estudar. Uso esse tipo de recurso, de criação de personagens, de formas divertidas de apresentar os assuntos, para tornar tudo mais interessante aos estudantes. Outro exemplo é que, depois de uma brincadeira em uma live, em que fiquei nervoso diante de uma equação de física, fiz que me transformei em Hulk, com a pele verde e tudo. Nas lives, agora os alunos sempre pedem para que eu vire o Hulk. Mesclar entretenimento com os ensinamentos ajuda a tornar os tópicos agradáveis. E, assim, a tendência é as pessoas fixarem as ideias.
No seu canal, o Matemática Rio, é comum que se apoie em exemplo bem cotidianos para abordar complexas equações e teorias. Faço isso desde 2010, no início de meu projeto na internet. A proposta inicial, aliás, era justamente caminhar pelo Rio atrás de situações corriqueiras nas quais se flagram usos da matemática. Ao se comprar um cafezinho, por exemplo, se faz contas. Assim como para administrar o negócio da cafeteria. Muita gente me fala: “Procopio, mais um dia se passou e não usei a fórmula de Bhaskara”. Aí provo como há, sim, matemática em tudo na vida. É uma abordagem, inclusive, essencial para o Enem. Na prova as questões são sempre contextualizadas. Ou seja, apresenta-se uma historinha, uma situação, que precisa ser resolvida com ferramentas matemáticas.
Muitos candidatos devem chegar no Enem se achando péssimos na disciplina. Tem alguma dica para eles, na reta final antes da prova? Há bastante a ser feito ainda. Por isso que tenho apresentado lives diárias em meu canal, sempre às 14 horas, mostrando o que pode ser estudado agora. A galera fica muito apreensiva e isso prejudica. Se for para a prova já com clima pessimista, só fica mais difícil. Nesta semana tenho exibido como boa parte das perguntas do Enem são fáceis, sobre assuntos básicos. O essencial é dominar esse básico para chegar ao menos a dezessete acertos. Isso diante da constatação de que a média de respostas corretas em Matemática gira em torno de catorze, com os alunos errando umas trinta questões. Por isso que a prova de matemática é a que pode oferecer um maior diferencial no Enem, para quem se sai bem nela. Minha dica: ao chegar no teste, note primeiro quais são as perguntas fáceis, como as de operações aritméticas, de porcentagens e de escala, e as resolva rápido, antes do resto.
O YouTube mudou a forma das pessoas estudarem? Sim, e de três formas. Primeiro, tornou possível escolher o professor com o qual se tem maior afinidade. Antes, na escola ou no cursinho, era necessário se contentar com aqueles que eram oferecidos. Mas e se não havia afinidade entre o estudante e o professor? Em segundo lugar, tem as vantagens do YouTube Edu, o braço de educação do YouTube. Há muita bobagem na internet e por vezes pode ficar complicado achar quem ensina da forma correta. A curadoria do YouTube Edu seleciona os professores qualificados para tal. Logo, tornou o ensino online confiável. Por fim, há um terceiro ponto. A internet ajudou a democratizar o conhecimento. Hoje em dia, qualquer pessoa, de qualquer região do país, ou mesmo se morar em outro continente, pode aprender com professores renomados. E de graça.
A oferta de youtubers — e de outros dos chamados influenciadores digitais — de educação, de ciências, já está demasiada ou ainda há espaço para novos professores que queiram se aventurar por esse campo? É verdade que existem muitas opções, e são diversas as que eu poderia indicar, como os canais Ciência Todo Dia e Nerdologia. Contudo, ainda existe espaço, sim. Defendo que é importantíssimo aumentar a variedade de pessoas falando de ciência com propriedade para, inclusive, fazer frente à pseudociência que se prolifera online, com absurdos como terraplanistas e movimentos antivacina. Diante do obscurantismo, é importante mostrar o valor da informação correta, e de estudar de verdade.
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